Os desafios da eleição presidencial brasileira de 2018 foi um dos temas abordados na conversa que o Brasil de Fato teve com a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), nesta segunda-feira (11), em Guararema, no interior de São Paulo.
Na visita ao espaço de formação, Dilma tomou um café da manhã com os militantes, conheceu os espaços, a horta, e falou aos mais de 200 estudantes presentes.
Na entrevista, ela defendeu a eleição de Lula como o único caminho para barrar o golpe e como uma forma de radicalizar a democracia."Recuar disso é aceitar que ele seja culpado, e isso não aceitaremos. Ele não é culpado nem jurídica, nem politicamente", ressalta.
Além das eleições, Dilma falou sobre a política de privatização da Petrobras, que nos levou à crise dos combustíveis, e o papel dos movimentos populares neste período.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - Presidenta, na sua opinião, qual é o papel dos movimentos populares em eleições como as que teremos nesse ano?
Dilma Rousseff - Eu acredito que nessa eleição os movimentos populares terão ainda mais importância. Mesmo considerando que naquela eleição eles já tiveram uma importância decisiva, estratégica, porque nos ajudaram a decidir a eleição, eu acho que hoje têm uma importância ainda maior.
Nós não tínhamos uma ameaça aberta à democracia. Nem tampouco tínhamos um conflito tão acirrado como o que temos hoje. Quando se tem um conflito acirrado, não podemos permitir que isso se transforme em um alimento da direita e do fascismo, porque as pessoas no Brasil estão perdendo a esperança. Nós somos os que temos que dizer: não, a esperança resiste! E a esperança significa apostar no Brasil, numa radicalização democrática.
Em primeiro lugar, desta vez, a pauta passa claramente pela questão da democratização da mídia. A questão da democratização da mídia faz parte da radicalização da democracia, que não é simplesmente o acesso a meios diversos e plurais, é também combater a oligopolização, o cartel de mídia que existe no Brasil.
Quando, na eleição de 2014, eles queriam que nós negássemos essa questão da democratização da mídia, diziam que queríamos fazer censura. Eles queriam tirar do foco de que a mídia é um setor econômico como qualquer outro. Tanto é assim que entre os mais ricos do Brasil, estão quem? A família Marinho [dona da Rede Globo]. Fazer um combate acirrado ao papel da mídia como sendo o pensamento único, passa necessariamente por quebrar o monopólio e a estrutura oligopólica da mídia, porque senão os órgãos mais fracos sempre serão obrigados a fechar, como várias boas revistas e bons jornais, porque a mídia oligopolizada sufoca, como em qualquer outra atividade econômica.
A segunda coisa que eu acredito que seja muito importante para o Brasil é que nós demos vários passos no sentido do acesso à renda e do aumento de oportunidades. Eu acho que a desigualdade no Brasil não pode ser vista só a partir de uma distribuição de renda. Ela foi e continuará sendo fundamental. Mas é preciso também dar conta de distribuição de riqueza. Na próxima etapa do Brasil, vamos ter que falar da distribuição da riqueza. E isso é agora, nessa eleição.
E o que é distribuição de riqueza? A distribuição de riqueza que estamos falando é a distribuição do estoque de riqueza. E o que é isso? Primeiro é o patrimônio. É a casa e a terra. Segunda coisa é o patrimônio que você incorpora às pessoas, que é a educação de qualidade. E pra dar educação de qualidade nós não podemos aceitar aquela velha história de que é possível fazer mais com menos. Para ter educação de qualidade é preciso ter mais dinheiro.
E a terceira coisa que eu acho fundamental é [a reforma da] Previdência. É necessário que haja um sistema previdenciário que dê uma vida digna para as pessoas que trabalharam duramente e chegaram à idade de não poder mais trabalhar.
Quando nós estávamos tratando do nosso passaporte para o futuro, que é o pré-sal, o Fundo Social, houve dentro do governo uma defesa da gente colocar uma parte do fundo social para a previdência. Sendo a previdência um benefício maior para a sociedade. Mas não foi possível, e terminou ficando a questão correta da educação e da saúde.
Mas tudo isso que apontei não se faz sem reforma tributária. É preciso uma reforma tributária. Não é possível a gente entrar na conversa neoliberal de que o Brasil paga muito imposto. O Brasil, não. Quem paga muito imposto é o trabalhador e as classes assalariadas.
No Brasil, há uma estrutura tributária altamente regressiva, que penaliza os que trabalham e alivia o capital. Então, nós temos que passar para a tributação do capital. Não é possível que dividendo no Brasil não seja tributado. Não é possível que juros sobre capital próprio exista. É uma jabuticaba brasileira.
No Brasil não se pode falar em meritocracia quando existe tamanha concentração de riqueza. Quando você tem pessoas que, sem trabalhar, nem nada, herdam uma quantidade de riqueza que não tem justificativa, não foi devido ao seu trabalho. E o mais interessante é que os bilionários são os que mais falam em meritocracia.
Então, uma reforma tributária tem que ser discutida abertamente no Brasil. Eu lembro que quando houve todo o processo pré-impeachment, quando colocaram o pato amarelo ali na Avenida Paulista, que é o centro financeiro do país, em frente à Fiesp [Federação da Indústria do Estado de São Paulo], a fala tradicional deles foi de que o Brasil paga muito imposto… O Brasil quem, cara pálida? Porque vocês não pagam, os bancos não pagam, os grandes conglomerados financeiros, industriais e agrícolas não pagam.
Em relação à Petrobras, qual a diferença entre o plano de desinvestimento aplicado pelo seu governo e esse defendido pela gestão Temer?
Em 2015 não houve uma política de desinvestimento. O que houve foi que nós priorizamos o pré-sal, radicalmente. Porque se formos olhar o investimento da Petrobras, no acumulado durante os anos, nós começamos a aumentar os investimentos entre os anos de 2011 e 2013.
Quando chegou em 2014, nós tínhamos uma concentração de pagamentos de tudo o que tínhamos investido nos anos anteriores. Então, para dar continuidade ao investimento mínimo, nós abrimos mão de alguns investimentos que não eram estratégicos. Nós priorizamos os investimentos estratégicos porque precisávamos aumentar a produção do pré-sal. Se nós não tivéssemos feito isso, o pré-sal não seria o que é hoje.
O que eles estão fazendo é completamente diferente. Eles estão vendendo dutos da Petrobras. E o que são os dutos? São todo o sistema de logística e distribuição de óleo e derivados que a Petrobras tem e que é fundamental que ela mantenha. Com isso, eles querem quebrar o mercado da Petrobras, querem colocar as refinarias à venda.
É absolutamente equivocado colocar as refinarias à venda porque, feito isso, você coloca a Petrobras numa situação esdrúxula, porque ela deixa de ser verticalizada. E sem essa verticalização, as multinacionais comem o nosso mercado. Ela pode abrir mão de algumas atividades que ela tem em outros países e concentrar aqui. Aí é uma questão de priorizar investimento. Nós achávamos que era mais importante priorizar dentro do Brasil do que fora do Brasil.
A senhora acredita que o Lula, caso seja eleito, poderia reverter os efeitos do golpe?
Olha, eu acho que o Lula é hoje fundamental porque ele é a única liderança política capaz de barrar o golpe. E não se trata de uma questão pessoal, mas de uma história construída. História com os movimentos sociais, na liderança do país, em relação ao resto do mundo.
Lula significa a única chance de barrar o golpe e recompor, reconstruir a democracia no nosso país. Este é o governo que nós queremos. Um governo que radicalize a democracia. Não só no sentido dos direitos formais, mas dos direitos reais e das oportunidades.
Além disso, acho que tem outra coisa que precisamos perceber: o golpe foi iniciado, o seu ato inaugural foi o impeachment, e o que foi o impeachment? O impeachment é uma derrota aos movimentos. Não é só a minha retirada. É a retirada de uma política e de uma pauta no Brasil. Mas esse impeachment fracassou. O processo do golpe que inicia com o impeachment é um fracasso político, expresso no fato de que não existe uma única liderança golpista viável hoje. Ela se auto destruiu. De uma certa forma, é um processo autofágico.
O PSDB e o PMDB ruíram e agora não têm candidato. No lugar, abriram uma caixa preta. Cada país tem seus monstros, e o nosso monstro é o neoliberalismo, a financeirização e a escravidão, que instituiu uma forma de controle social violenta e o privilégio junto com a exclusão. O que ocorre é que o Lula representa a possibilidade de recolocar isso sobre os trilhos, e por isso o prenderam. Nós sabemos que sem crime, sem base jurídica, e sabemos que a condenação significa justamente uma resposta à derrota do golpe, à derrota política.
Eles tiveram algumas vitórias, quando eles aprovam o teto dos gastos, a reforma trabalhista, terceirização e começam a vender a Petrobras por partes, mas não conseguem dar continuidade a isso. E é esse o impasse do Brasil.
Eu acho interessantíssimo que eles fiquem preocupados com o destino da esquerda, dizendo que nós estamos tardando a indicar um candidato no lugar do Lula. Essa conversa nós já conhecemos. Quando começaram o meu impeachment, passaram o tempo inteiro pedindo para eu renunciar. Como se isso fosse digno. A um impeachment daquele é preciso responder com a nossa narrativa.
Por isso que nós brigamos do primeiro ao último dia em denominar esse processo como um golpe, em dizer que é um processo que não se esgotava com o meu impeachment e que teria continuidade. Então esse processo se expressa no Lula. Ele pode barrar isso. E por isso nós vamos até o fim. Eles que façam com as mãos deles, se quiserem continuar com o golpe.
Aí nós teremos uma resposta política a isso também. Mas o Lula é o nosso candidato. Não tem recuo em relação a isso. Recuar disso é aceitar que ele seja culpado, e isso não aceitaremos. Ele não é culpado nem jurídica, nem politicamente.
Edição: Diego Sartorato