Agronegócio

Grupo de Daniel Dantas usa dinheiro do BNDES em negócios com terras suspeitas

Agropecuária Santa Bárbara, suspeita de possuir terras ilegais, fez empréstimos em banco estatal

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O empresário Daniel Dantas em 2009
O empresário Daniel Dantas em 2009 - Antonio Cruz/Agência Brasil

A Agropecuária Santa Bárbara - pertencente ao grupo Opportunity, do empresário Daniel Dantas - fez 96 operações junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 2011 e 2017, no valor de R$ 56.943.877, aos juros de 2% a 10%.

Os empréstimos foram feitos por via indireta, ou seja, não passaram pela análise do BNDES. O financiamento foi feito por instituições financeiras credenciadas (no caso, Bradesco e CNH Industrial Capital), que assumem o risco de não pagamento da operação.

Fundada em 2005, a Agropecuária Santa Bárbara tem cerca de 500 mil hectares de fazendas nas regiões Sul e Sudeste do Pará para criação de gado e cultivo de milho e soja. A aquisição das terras, no entanto, é alvo de um imbróglio judicial e nunca foi bem explicada.

“Jogaram uma pá de cal nesse assunto. Essa aquisição em massa de propriedades rurais no Pará coincidiu com o desencadeamento da Operação da Satiagraha (em 2009). A Justiça Federal de São Paulo chegou a determinar o bloqueio de todas as terras da fazenda Santa Barbara alegando que elas teriam sido adquirido por meio de corrupção, lavagem de dinheiro.

No entanto, essas investigações no STJ e STF acabaram sendo arquivadas. Anularam toda a operação e, com isso, todas as suspeitas e investigações que existiam de lavagem de dinheiro acabou ficando debaixo do tapete e nada se concluiu a esse respeito. Essa suspeita na origem do dinheiro não foi explicada para a sociedade brasileira”, conta José Batista Gonçalves Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará, que acompanha o caso.

Quadrilha

A Operação Satiagraha foi deflagrada, em 2008, pela Polícia Federal. Na época, foram presos o empresário Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, o investidor Naji Nahas e outras 14 pessoas suspeitos de manter um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro. As investigações tiveram início quatro anos antes como desdobramento do caso do mensalão.

Segundo a PF, havia duas organizações, uma comandada por Dantas e outra, ligada à lavagem de dinheiro, por Naji Nahas, que teriam cometido crimes de lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Dantas também foi acusado de oferecer US$ 1 milhão a um delegado federal para evitar a prisão.

A ligação de Dantas e Nahas foi descoberta após a investigação baseada no banqueiro, que, por meio do Opportunity, era o gestor da Brasil Telecom, dona da Telemig e da Amazonia Telecom - estas seriam as principais fontes de recursos do mensalão. A PF chegou à conclusão após quebra de sigilo do computador central do banco.

Durante a Satiagraha, 27 fazendas e 450 mil cabeças de gado da Agropecuária Santa Bárbara chegaram a ser bloqueados pela Justiça, por supostos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

A operação foi anulada em 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por considerar que as provas obtidas se basearam em gravações telefônicas feitas ilegalmente — a decisão foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015. Em 2012, os bens bloqueados da Agropecuária de Dantas foram devolvidos a ele.

“Se você já tem na origem (do negócio), uma acusação de lavagem de dinheiro para aquisição dos imóveis, usar dinheiro público para o empreendimento é sem explicação”, afirma Batista sobre os empréstimos do grupo de Dantas junto ao BNDES.

As terras de Dantas também têm outras suspeitas não investigadas: títulos fraudulentos e possíveis terras griladas. Grande parte das fazendas fazem divisas com rodovias e podem pertencer ao Estado e à União.

“Não podemos dizer que o grupo está grilando terras aqui, o que podemos dizer é que o grupo adquiriu um grande número de terras e no meio disso existe todo tipo de caso: existe área pública federal, estadual, títulos plantados e, possivelmente, títulos falsos”, diz o advogado da Pastoral.

Ocupação

Em 2009, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MTST) iniciou ocupações em diversas terras da Agropecuária como forma de reação ao escândalo revelado pela Operação Satiagraha.

“O início das ocupações dos movimentos tem uma data simbólica, 25 de julho de 2009, dia nacional dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. É um caso emblemático que a gente vem denunciando nacionalmente com envolvimento de agentes financeiros internacionais, como a Telecom, de setores do agronegócio, o mais avançado do Pará, e a união do Estado, porque todas as terras com documentos fraudulentos não teve uma investigação séria. Tudo cristalizado nesse caso”, explica um dos coordenadores nacionais do MST, Ulisses Manaças.

E nenhuma suspeita ou investigação parece abalar Dantas e seu império. No ano passado, ele entrou pela primeira vez no Bloomberg Billionaires Index, com patrimônio avaliado em US$ 1,8 bilhão.

Batista afirma que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não se preocupa em regularizar a situação das terras da Agropecuária Santa Bárbara.

“Os órgãos de terra no Pará sequer tem o controle das terras que são de sua jurisdição. O Incra hoje não tem conhecimento das terras do Estado, tampouco se é terra legal ou não. E, quando tem, não tem preocupação de retomar os imóveis tomados por terceiro. Há uma conivência dos órgãos de terra com os grandes ocupantes ilegais de terra do Pará, isso não é de hoje. O Pará que é o Estado campeão de falsificação de documentos e grilagem de terras”.

Manaças conta que o Incra chegou a abrir um canal de diálogo entre os assentados do MST e representantes da agropecuária. No entanto, depois do golpe, houve um retrocesso na política de reforma agrária.

“Quando o PT estava no governo, houve uma tentativa de negociação, junto ao Ministério de Desenvolvimento Agrário e do Incra, que tentaram intermediar. Mas com o processo do golpe [em 2016], houve um desmantelamento do Incra, afastamento do governo do Estado, que é comandando pelo PSDB e pouca possibilidade de diálogo, teve um afastamento por completo de qualquer possibilidade de negociação”, conta o líder do MST.

Ele diz que, caso as terras fossem de fato investigadas, ficaria comprovado que o destino delas teria que ser a reforma agrária.

“O MST pede só uma coisa: que seja feito um levantamento da cadeia de DNA da agropecuária, de toda a documentação, demonstrando os processos fraudulentos. Nós temos certeza de que essas terras precisam estar disponíveis para o processo de assentamento das famílias”, afirma o líder.

Além de todo esse imbróglio que envolve a origem das fazendas do grupo de Dantas, outra suspeita paira pela região: a exploração de minérios.

“O MST já denunciava na época (da aquisição das terras) que o grande interesse do grupo não era a criação de gado, muito embora as propriedades fossem de pecuária porque é uma característica da região. Eles tinham um processo de transição, com pedidos de direito de  lavras  nessas terras, que ficam a 200 km da Serra dos Carajás, onde está a maior jazida mineral do mundo. Eles sabem que as propriedades têm minérios, então, o grande interesse desse grupo é fazer a transição para a cadeia de exploração mineral”, revela Manaças.

Segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral, há nove processos ativos da agropecuária para autorização de exploração de fosfato, serpentinito e minérios de cobre, níquel e cromo nas terras do grupo.

A reportagem procurou o Incra e a Agropecuária Santa Barbara, que não se manifestaram até o fechamento dessa edição.

Problemas ambientais

Segundo o Ministério Público Federal no Pará, em 2009 foram ajuizadas noves ações civis públicas contra a Agropecuária Santa Bárbara por desmatamento na região.

•    Caso fazenda Cedro: processo nº 0001434-78.2009.4.01.3901, na 2ª Vara Federal em Marabá - Justiça Federal acatou parcialmente os pedidos do MPF, conforme sentença anexa. Contra a sentença os condenados ajuizaram vários recursos no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília.
•    Caso fazenda Maria Bonita: processo nº 0001370-68.2009.4.01.3901, na 2ª Vara Federal em Marabá - aguarda julgamento.
•    Caso fazenda Espírito Santo: 0002980-88.2011.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Caracol: processo nº 0003590-56.2011.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Castanhais: processo nº 0001666-73.2012.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Vale Sereno: processo nº 0002201-02.2012.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Santa Ana: processo nº 0003140-79.2012.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Rio Tigre: processo nº 0003957-46.2012.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
•    Caso fazenda Vale do Paraíso: processo nº 0001043-09.2012.4.01.3905, na 1ª Vara Federal em Redenção - Justiça Federal em Redenção não acatou os pedidos do MPF. Apelação do MPF em tramitação no TRF-1.
 

Edição: Juca Guimarães