“Apequenar o STF”. Essa é, segundo a ministra presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, uma das consequências em recolocar na pauta do tribunal a discussão sobre a legalidade do cumprimento da pena após decisão em segunda instância. Em 2016, o STF permitiu o cumprimento da pena após decisão de um tribunal colegiado.
Mas na opinião de Dalmo Dallari, jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP), debater e resolver conflitos de interpretação dos princípios constitucionais é, na verdade, uma tarefa da Suprema Corte debater. Não fazê-lo, segundo ele, seria negligenciar um tema de interesse nacional.
“Tenho um respeito e admiração pela ministra Cármen Lúcia, e acho que ela tem se comportado com muito equilíbrio. Mas nesse caso eu discordo, porque eu acho que é de toda conveniência nacional, para o interesse público que a matéria seja submetida ao pleno do Supremo. O que não resta dúvidas é que há divergências entre juízes dos tribunais, divergências entre os ministros do próprio Supremo. Então é de toda a conveniência que a matéria tenha uma decisão em conjunto do Supremo. Eu acho que isso é realmente de interesse público e de maneira alguma desprestigia o tribunal. Na verdade, é uma confirmação do exercício da sua competência constitucional”.
Na última terça-feira (13), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) enviou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) um manifesto, no qual solicita que a entidade vá ao STF defender a constitucionalidade da presunção da inocência. Ou seja, para a associação, o cumprimento da pena só poderá ser iniciado, após esgotadas as possibilidades de recurso. No documento, a ABJD afirma que “quando o artigo 5°, inciso 57, da Constituição Federal de 1988, dispõe que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’, isso representa o compromisso do poder constituinte brasileiro com a presunção da inocência, um dos princípios fundamentais do Estado de Direito porque assegura a liberdade do cidadão”.
Cézar Britto, advogado, membro da ABJD e ex-presidente da OAB explica por que a entidade decidiu acionar a Ordem dos Advogados. “Como a OAB é titular dessa ação, o requerimento foi dirigido a ela pela importância política da ordem, para que ela solicitasse formalmente a inclusão do processo na pauta”.
Dallari afirma que realizou um cuidadoso estudo, buscando verificar opiniões de constitucionalistas sobre a garantia da presunção da inocência até que a decisão não tramite em julgado. “Realmente há uma convicção entre todos os constitucionalistas que, enquanto houver um recurso possível e inclusive recurso extraordinário, a decisão não transitou em julgado, então ela continua em aberto. Então não é decisão definitiva, e por isso eu acho que é um exagero considerar definitiva a decisão depois de uma sentença em segunda instância. A segunda instância é mais uma instância, mas não é a última necessariamente”.
Para Britto, é preciso desmistificar a ideia de que a revisão do entendimento do STF em relação ao caso ocorreria em benefício do ex-presidente Lula, discurso que a mídia convencional tenta emplacar. “O pedido de pauta do ministro Marco Aurélio é anterior inclusive à condenação do ex-presidente Lula. Então não tem relação nenhuma entre o julgamento que está pautado e o do ex-presidente. Mas ainda que tivesse alguma relação de benefício direto ou indireto, a questão que se põe é: a Constituição, ao garantir que o trânsito em julgado é a forma correta de se garantir ou não a prisão, poderá o judiciário se recusar a debater esse tema que pode causar a prisão desnecessária de vários cidadãos, inclusive o do ex-presidente Lula. Ha uma frase que é correta: ninguém está acima da lei, mas ninguém pode estar abaixo dela”.
O tema divide opiniões dentro do Supremo Tribunal Federal. A inclusão na pauta depende de decisão da presidenta da casa, a ministra Cármen Lúcia.
Edição: Juca Guimarães