Perseguição

Após questionar o uso de agrotóxicos, pesquisador é demitido da Embrapa

“Empresas do agronegócio se reúnem semanalmente com o presidente da Embrapa", denuncia Vicente Almeida

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Empresa já foi condenada no Justiça por conivência à prática de assédio moral no ambiente de trabalho
Empresa já foi condenada no Justiça por conivência à prática de assédio moral no ambiente de trabalho - Gustavo Porpino/Embrapa

Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que denunciava o compromisso da instituição pública com setores ligados ao agronegócio foi demitido no último dia 28 de fevereiro.

Vicente Almeida, engenheiro agrônomo, liderança sindical e pesquisador da Embrapa há 13 anos foi informado que seu desligamento ocorreu devido ao descumprimento de dispositivos do Código de Conduta e Código de Ética da empresa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo o ex-funcionário, não foi realizado qualquer procedimento administrativo prévio para a tomada da decisão.

“As empresas do agronegócio e das indústrias químicas se reúnem semanalmente com o presidente [da empresa], principalmente após o golpe”, denuncia Almeida, que já chegou a ter estudos censurados por superiores.

A pesquisa mais recente realizada por Almeida questionava a correlação entre a produtividade do agronegócio e o uso de agrotóxicos no país. “A partir de dados técnico-científicos, comprovou-se que os agrotóxicos, na verdade, não estão associados à produtividade no país, ou seja, não é possível identificar uma correlação estatística positiva de produtividade e o consumo de agrotóxicos. Ao mesmo tempo, foi identificado que, a partir da adoção da transgenia, especificamente sobre o caso da soja, houve uma intensificação do uso de agrotóxicos”, afirma o pesquisador. 

Além de assumir uma postura questionadora em relação à política de pesquisa da Embrapa, Vicente Almeida foi porta-voz de diversas denúncias de irregularidades na gestão da empresa, incluindo numerosos casos de assédio moral contra funcionários. O tema foi objeto de uma audiência pública na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara de Deputados, por iniciativa da deputada federal Érika Kokay (PT-DF).

Segundo a parlamentar, as resoluções da audiência serão encaminhadas a diversas instituições relacionadas, como o Ministério Público do Trabalho, para que sejam tomadas as providências necessárias e haja investigação em relação às denúncias. “Depois dessa audiência, ficou absolutamente claro que a Embrapa cotidianamente possibilita que trabalhadores e trabalhadoras sejam assediados de forma absolutamente cruel”, afirmou Kokay. 

Solidariedade

Diversas entidades, como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), divulgaram nota em apoio ao ex-funcionário demitido e pediram a revisão da decisão por parte da Embrapa. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) afirmou, em nota, que a demissão de Vicente Almeida foi ‘desmedida’ e não respeitou o direito de ampla defesa do trabalhador. O sindicato ainda se colocou "à disposição para construir estratégias jurídicas de proteção e resistência", contra a demissão do pesquisador. 

Em fevereiro deste ano, depois de sete recursos movidos pela empresa, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10) e manteve a condenação da Embrapa, no valor de R$ 100 mil, por danos morais coletivos devido à conivência da empresa com a prática de assédio moral no ambiente de trabalho.

Consultada pela reportagem, a Embrapa afirmou, em nota, que o "desligamento é um ato administrativo resultante de apuração disciplinar prevista em norma interna intitulada Procedimento para Aplicação de Penalidades". Segundo o comunicado, "o processo instaurado observa os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e está aderente às recomendações da Controladoria Geral da União (CGU)". De acordo com a empresa, não seriam divulgadas maiores detalhes sobre o caso por se tratarem de "informações de cunho pessoal que devem ser resguardadas com vistas à preservação do indivíduo".

 

Edição: Thalles Gomes