Na manhã desta terça-feira (6), as galerias, o plenário, e a tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná foram ocupados por um público pouco representado no Legislativo estadual nos outros dias do ano. Cerca de 700 mulheres camponesas participaram de uma audiência pública sobre o combate à violência contra as mulheres do campo, proposta pelo deputado Professor Lemos (PT). Das 54 cadeiras do Legislativo estadual, apenas quatro são ocupadas por mulheres.
A maioria das participantes integra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o dos Atingidos por Barragens (MAB), a Via Campesina, além de quilombolas, ilhéus e posseiras. A ação integra o calendário de atividades relacionadas ao Dia Internacional da Mulher, 8 de março.
Para Kelly Manfort, da Coordenação Nacional do MST, as opressões que as mulheres enfrentam no campo foram originadas já na formação colonial do Brasil, com 300 anos de escravidão africana e indígena. “Por isso a nossa luta é contra o machismo e contra o racismo, dois pilares que operam na base da sociedade para violentar as mulheres”, afirmou. Segundo ela, a pauta de luta das mulheres do campo deve também se mobilizar contra pontos aprovados pelo Governo Federal com a Reforma Trabalhista.
Segundo Maristela da Costa Leite, militante do MAB, as mulheres atingidas têm sofrido com a violência do capital, das transnacionais, mas também com a violência institucional, a violência do estado. “As atingidas por barragens são obrigadas a sair de suas terras, sem ter seus direitos reconhecidos. O estado legitima este processo de violência contra as mulheres. Além disso, quando as mulheres lutam sofrem com repressão policial e a criminalização da luta”, completa.
Na avaliação de Camila Mafioletti Daltoe, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos do Ministério Público do Paraná (MP/PR), leis como a Maria da Penha ou a Lei do Feminicídio, já foram avanços importantes, mas muito ainda precisa ser feito pela proteção das mulheres. “Existem desafios ainda maiores para as mulheres do campo. Elas estão distantes dos serviços que as atendem, não têm vizinhos próximos e o conceito de propriedade é baseado no patriarcado e, portanto, se mantém muito forte o machismo no campo”, destacou.
Para Nivea Diogenes, da coordenação do MAB, a violência contra as mulheres tem se intensificado, pois, “com o contexto do golpe, desde 2016 um conjunto de reformas visam retirar direitos historicamente conquistados pela luta, onde as mulheres tiveram papel decisivo”. Ela garante ser “fundamental que as mulheres sigam como protagonistas na defesa da soberania, na luta contra as privatizações e a retirada de direitos”.
Dados do Paraná
Segundo Maria Izabel Grein, do MST no Paraná, a violência no campo de fato atinge as mulheres com muito mais intensidade. “O Paraná aparece como terceiro estado que mais mata mulheres por questões de gênero no Brasil”, ressaltou. Citando uma pesquisa do Conselho dos Direitos da Mulher, ela lembrou que cerca de 12% das mulheres brasileiras se casam antes de completar 18 anos de idade, enquanto apenas 1% dos homens se casem nesta mesma faixa etária. “E o que significa uma menina com 15 anos casar com um homem de 30 anos, por exemplo? O que isso impacta na vida pessoal desta menina, em termos de violência?”, indagou.
De acordo com o deputado Professor Lemos, a violência contra a mulher no Paraná continua grande, mantendo o estado na terceira posição entre os que detêm maiores índices de agressões e feminicídios. “Precisamos criar mecanismos de proteção. A violência é muito grande contra as mulheres paranaenses. Piraquara é a segunda cidade mais violenta contra a mulher no Brasil. Além de criar leis, é preciso um grande programa organizado entre as esferas do poder público e a sociedade civil no combate a estes crimes”, explicou.
Frente parlamentar
O deputado Professor Lemos propôs durante o evento a criação de uma frente parlamentar especificamente para o combate à violência contra a mulher. “Queremos, além da aprovação de bons projetos que tramitam na Assembleia sobre este tema, que sejam implementadas as leis que já existem. Precisamos ainda organizar uma frente de deputados paranaenses, assim como acontece no Rio Grande do Sul e em outros estados, que se engajem firmemente nesta luta”, afirmou.
Participaram da mesa de honra ainda o assessor de Assuntos Fundiários do Governo do Estado, Hamilton Serighelli; a professora Liriani Maria Franco, secretária da Mulher Trabalhadora e Direitos LGBTI da APP Sindicato; Kelly Manfort, representante da Coordenação Nacional do MST; Maria Izabel Grein, Simone Aparecida Rezende e Solange Parcianello Pellenz, representando o MST do Paraná; Nívea Maria Diogenes, do Movimento dos Atingidos por Barragens; Mairene se Souza Paim, representando as posseiras de Pinhão; e Isabela Cruz, representando os povos quilombolas.
Calendário de mobilizações
Em Curitiba, a mobilização do dia 8 está marcada para começar às 16h30, na Praça 19 de Dezembro – rebatizada pelas organizações das mulheres como Praça da Mulher Nua, em referência à estátua localizada no local. A caminha vai começar às 18h e terminar por volta das 20h, na Boca Maldita.
Uma outra marcha também ocorre na capital no dia 7, às 16h, protagonizado pelas mulheres por campo, com o mote “Mulheres em luta e resistência: contra a violência do capital, pela democracia e soberania nacional”.
Além de Curitiba, estão previstas manifestações em Ponta Grossa, Cascavel, Maringá, Paranaguá, Foz do Iguaçu, Londrina, Francisco Beltrão e Guarapuava. Clique aqui para ver a agenda completa.
*Com informações da Alep
Edição: Ednubia Ghisi