Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump (Ed. Objetiva), livro escrito pelo jornalista Michael Wolff, apesar das “revelações” que atingiram em cheio a imagem do republicano, opera na mesma lógica de seu objeto de análise, restringindo sua capacidade de interpretação em relação ao resultado das eleições de 2016.
A obra, que será lançada em março no Brasil, aborda os nove primeiros meses da gestão Trump e gerou a demissão de um assessor da Casa Branca. Houve também a tentativa de impedir sua comercialização nos EUA. A premissa inicial, e talvez central do livro, é a afirmação de que o republicano e seus assessores jamais esperaram ganhar o pleito.
Os limites do livro começam na seleção dos temas a serem tratados. O modo como Trump penteia os cabelos, por exemplo, é uma das questões. Ao longo dos capítulos, vai se traçando um perfil que põe em xeque a sanidade mental do presidente.
Jonathan Martin, jornalista do The New York Times que cobre a Casa Branca, apontou as fragilidades jornalísticas do relato. Segundo Martin, Wolff não deixa claro em diversos momentos se presenciou conversas ou simplesmente tomou conhecimento destas. Além disso, há erros sobre cargos ocupados por personagens citados na obra.
O principal limite do livro, entretanto, são o vácuo e a omissão – frutos, provavelmente, da pressa (e do desejo de vender). Caso Trump seja realmente perturbado mentalmente, a questão essencial seria: como uma pretensa democracia foi capaz de alçar alguém como ele ao cargo que ocupa? Wolff, com um relato crítico de Trump e sua gestão, parece se aproveitar da mesma lógica do republicano em criar um fenômeno político-midiático. As táticas políticas são descritas, mas não há qualquer explicação da razão pela qual funcionaram e encontraram eco em parte da população.
A mesma pressa parece estar presente na edição brasileira. Um dos indícios, ainda que não conclusivo, é o número de tradutores do livro: cinco. O leitor ou a leitora do Brasil que deseje uma explicação sobre Trump como fenômeno social, para além de suas idiossincrasias pessoais, deve buscar outras leituras.
Infelizmente, o mercado editorial brasileiro não demonstra a mesma rapidez na tradução e publicação de estudos como Lixo Branco - livro da historiadora Nancy Isenberg que discute 400 anos de história dos EUA do ponto de vista dos setores mais desfavorecidos – e Estranhos na Própria Terra – escrito pela socióloga Arlie Russell Hochschild, apontando as condições sociais que permitiram a disseminação do conservadorismo entre a classe trabalhadora naquele país. Dois exemplos que sem falar de Trump explicam muito bem a figura e sua vitória eleitoral.
Para Michael Wolff, vale mais a descrição da pequena política nos corredores da Casa Branca e das manias de uma figura política insólita do que as questões sociais do país que cercam aquele edifício em Washington.
Edição: Nina Fideles