Pescadores do Norte de Minas Gerais continuam acampados nesta quarta-feira (15) em frente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) de Belo Horizonte (MG), à espera de respostas sobre a concessão do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) para seus territórios. A ocupação teve início na madrugada da última segunda (13), quando cerca de cem pescadores e pescadoras de várias comunidades localizadas à beira do Rio São Francisco acamparam em frente ao prédio do Ministério da Fazenda, onde se encontra também a Secretaria do Patrimônio da União do Estado.
Com territórios localizados às margens do São Francisco, área considerada da União, a TAUS é uma concessão do Estado que autoriza a permanência dessas seis comunidades tradicionais nas suas terras. Entre elas, a mais vulnerável atualmente é a de Canabrava, no município de Buritizeiro, que está enfrentando desde agosto uma série de despejos.
Refugiados atualmente na ilha da Esperança, mas sem ter água para beber e sem condições de plantar, os pescadores se encontram em situação precária. Além disso, decisões judiciais recentes têm criminalizado as lideranças da comunidade e os agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), organização que tem apoiado a luta pelo território.
Acampamento e negociação
Durante toda a segunda (13), as comunidades reuniram-se com o Superintendente da SPU em Minas Gerais, Vicente de Paulo Diniz, e em função dos poucos resultados decidiram manter por tempo indeterminado a mobilização e o acampamento. Na terça (14), foram realizadas mais duas reuniões.
“Nesses últimos meses temos passado por uma vida crítica. Estamos sofrendo ataques de fazendeiro e de capangas. A gente não pode nem dormir direito, nem comer direito”, relata o pescador e liderança da comunidade, Edmar Gomes da Silva. Além das dificuldades ocasionadas pela perda do território, o que resultou em casas, plantações e criações destruídas, o outro problema que tem atingido duramente a comunidade é a criminalização. No dia 9 de outubro, o desembargador Antônio Bispo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, deu ordem para instauração de inquérito contra Edmar e contra os agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores.
“Estamos correndo atrás das coisas, fazendo os pedidos nos Direitos Humanos e na SPU para ver o que resolve. Só que eles estão enrolando a gente demais, estamos num sofrimento danado. A gente pede força e todos os direitos para termos um lugar sossegado pra gente. O pedido da nossa comunidade é voltar para o nosso local para termos uma vida saudável. No momento estamos comendo e bebendo de favor. Nem casa para morar a gente tem e a maioria das famílias está desertada no mundo”, lamenta Edmar.
Comunidades tradicionais
A história de Canabrava corrobora com dados recentes sobre a violência no campo em Minas Gerais. Levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra identifica que 2.436 famílias estão envolvidas em conflitos por terra em todo o estado, no ano de 2016, com maior quantidade de casos na região norte de Minas. O estado também lidera a quantidade de casos de trabalho escravo no Brasil.
Junto com Canabrava, participam da manifestação as comunidades de Barrinha, Maria Preta e Cabaceiras, do município de Itacarambi, Caraíbas, do município de Pedras de Maria da Cruz e Croatá do município de Januária, todas comunidades pesqueiras localizadas às margens do Rio São Francisco.
Histórico do conflito
A comunidade de Canabrava é formada por cerca de 70 famílias que habitam o território localizado em terras públicas da União, no município de Buritizeiros, à beira do rio São Francisco. O conflito teve mais tensão recentemente, quando uma decisão emitida pela Justiça estadual, no mês de julho, dava reintegração de posse para o espólio do fazendeiro Breno Gonzaga Jr.. A comunidade conseguiu uma liminar que suspendia o despejo, mas ainda assim policiais militares expulsaram os pescadores e destruíram 13 casas, no dia 18 de julho, desobedecendo a decisão judicial.
Em 20 de julho, os próprios fazendeiros herdeiros do espólio de Breno Gonzaga Júnior, que reivindicam a propriedade da área, juntaram-se com um grupo de jagunços para concluírem, ao seu modo, a ação de reintegração de posse, ainda com o mandado suspenso judicialmente. Os moradores que ali se encontravam foram retirados violentamente, casas foram destruídas junto com alimentos e roças e objetos e animais de criação foram saqueados.
A comunidade recebeu visita in loco de técnicos da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), confirmando que as famílias estavam em área indubitável da União, por isso não pertencente ao fazendeiro. O perito técnico do Ministério Público Federal também confirmou em relatório a tradicionalidade da comunidade. Registros mostram que eles convivem na região há pelo menos um século. Desde então, a comunidade tem sofrido ameaças, despejos e a recente abertura de inquérito contra as lideranças populares. Os pescadores reivindicam o Termo de Autorização de Uso Sustentável, que foi negado pela SPU em 9 de novembro e motivou a manifestação.
Edição: Joana Tavares