Pará

Paraíso ameaçado: vereadores avaliam permitir construção de prédios em Alter do Chão

Para lideranças locais, proposta visa especulação imobiliária; comunidades tradicionais estariam ameaçadas

Brasil de Fato | Belém (PA) |

Ouça o áudio:

As praias de Alter do Chão foram consideradas como as mais bonitas pelo jornal britânico The Guardian
As praias de Alter do Chão foram consideradas como as mais bonitas pelo jornal britânico The Guardian - Cristiano Martins/ Fotos Públicas

Conhecidas como o “Caribe brasileiro”, as praias de Alter do Chão, distrito localizado no município de Santarém, no Pará, podem perder o atual ar bucólico que dá ao local ares de paraíso. Isso porque está em tramitação, na Câmara Municipal da cidade, o Projeto de Lei PL1621/2017, que pretende autorizar a construção de prédios de até 19 metros de altura. 

Se aprovado o projeto (clique aqui para acessar), outras comunidades balneárias, como Ponta de Pedras, Tapary, Carapanari e Pajuçara também poderão ter construções verticais de até 19 metros. A orla fluvial do município não foi esquecida pelo projeto e a proposta, em análise pelos vereadores, prevê a construção de prédios de até 26 metros. 

Além dessas alterações, segundo Layza Queiroz Santos, advogada popular na ONG Terra de Direitos, o projeto flexibiliza a regulamentação do uso do solo urbano e permite a atividade extrativista e mineral em áreas de Zona de Proteção Ambiental. Ela analisa o que pode estar por trás do projeto:“Ele traz uma série de mudanças muito grandes, que a correria de aprovação do projeto e a proposta do projeto nos dá a entender que ele está sendo construído para alegrar e beneficiar o mercado imobiliário e as grandes empresas de grandes empreendimentos”, diz.

Alter do Chão é considerada uma Zona de Proteção Ambiental. O ecoturismo é a atividade permitida na região e obras ligadas ao esporte e lazer precisam apresentar um projeto junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade para aprovação, seguindo determinações da legislação ambiental estadual, municipal e/ou federal. Várias obras estavam sendo construídas em Alter do Chão e foram embargadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas). 

Os Ministérios Públicos Estadual e Federal se posicionaram de forma contrária às alterações sugeridas pelo projeto. O procurador da república em Santarém, Luís de Camões Lima Boaventura, afirma que o PL apresenta diversos “vícios” e destaca dois como os mais graves: 

“Os Ministérios Públicos, tanto o Estadual quanto o Federal, eles vislumbram vários vícios nesse projeto, mas eu acho importante destacar dois deles: um é a ausência total de qualquer estudo urbanístico e técnico acerca das consequências desse projeto de lei, só isso já é algo muito grave; o segundo vício relevante que a gente gostaria de destacar é a total ausência de participação da sociedade civil nessas discussões”. 

A proposta é de autoria do vereador Antônio Rocha (PMDB). Em entrevista ao Brasil de Fato, o parlamentar afirmou que a proposta visa “corrigir o projeto passado”, referente à Lei Complementar de parcelamento, uso e ocupação do solo e resumiu o que trata o projeto no que se refere à Vila de Alter do Chão. 

Comunidades tradicionais

"Nós tentamos apresentar esse projeto para tentar corrigir aquelas falhas do projeto passado, então o que é: construir sua casa, fazer o seu muro, vender bebida nos bares”, ressalta o vereador. 

O Ministério Público do Pará em Santarém apresentou um documento contendo uma série de recomendações à Prefeitura e à Câmara de Vereadores e nele informa que o projeto “não acompanha estudos ou laudos técnicos que o embasem”.  Ainda de acordo com o documento, caso o PL 1621 seja aprovado, “trará mudanças significativas na gestão do ordenamento territorial e ambiental do Município, com influência direta nos territórios de comunidades quilombolas, indígenas, assentamentos, comunidades rurais e ribeirinhas”.

As alterações, como foi informado pelo vereador Rocha, foi apresentado para corrigir falhas na Lei de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo das Zonas Urbana e Rural, regulamentada pela Lei Complementar 007/2012, previsto no planejamento do Plano Diretor. Ocorre que o plano está sendo revisado. Rui Corrêa, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Municipal, afirmou que foi solicitado aos legisladores que aguardassem a conclusão da revisão para depois se discutir o projeto 1621, mas a sugestão não foi aceita e foi proposta a criação de grupos de trabalho formados pela sociedade civil para se discutir o PL nas comissões da Câmara.

As mudanças do projeto ainda atingem comunidades tradicionais e indígenas, como os Borari, que ainda lutam pela titulação do seu território e estão localizados em Alter do Chão. Leila Borari, liderança indígena, afirmou que a Lei Complementar está impedindo a construção de obras de grandes empreendimentos e, segundo ela, “não é muro ou a casa de um ribeirinho”. As comissões, que estão participando das discussões na Câmara, apresentam outras propostas para o distrito.

“A gente quer que sejam preservadas as savanas, as margens de igarapés, onde é mais delicado. Queremos que seja respeitada toda a questão da mata ciliar, só que quando a gente vai discutir, a Prefeitura, por exemplo, através dos vereadores, que é o legislativo, quer discutir a ampliação da área urbana para dentro da terra indígena”, diz Leila.

Ela participou, nesta segunda-feira (6), de mais uma reunião na Câmara e, pela rapidez como o projeto está sendo tratado, os legisladores pretendem aprovar o PL até o final do ano. 

Edição: Vanessa Martina Silva