A maneira como a reforma política vem sendo tratada pelo Congresso Nacional é muito criticada por especialistas no assunto, como é o caso de José Antonio Moroni. Ele integra o Colegiado de Gestão do Inesc, o Instituto de Estudos Socioeconômicos, e é um dos coordenadores do movimento Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
Para Moroni, um dos erros na condução do processo é o fato de a reforma não promover uma maior participação popular no sistema político partidário. Outro ponto levantado por ele é que a medida praticamente mantém o status dos atuais políticos, permitindo a perpetuação no poder.
Como proposta para resolver isso, ele defende a instauração de uma Constituinte exclusiva para debater reforma política. Leia a entrevista concedida por ele ao Brasil de Fato:
Como você avalia o fato de o Congresso Nacional não ter conseguido, até agora, votar a reforma política para resolver um sistema considerado falido?
Mais uma vez ficou provado que o Congresso, independente da sua composição, dificilmente irá conseguir votar uma reforma política que atenda minimamente aos anseios populares. O que eles sempre colocam em pauta para discussão é a antirreforma política. Desvirtuaram completamente a questão do financiamento público de campanha...
A instalação de uma Assembleia Constituinte poderia resolver o problema da reforma política?
Com certeza. A bandeira de uma Constituinte exclusiva e soberana para fazer a reforma do sistema político é o que nos sobra, né? Só que também não é qualquer Constituinte e não é qualquer reforma. Eu defendo que ela seja convocada para que não seja uma constituinte unicamente calcada no poder da representação, que se tenha mecanismo de participação, de democracia direta. Porque se a gente apenas reproduzir o mesmo esquema que nós temos atualmente, no qual o cidadão, a cidadã são chamados apenas para votar, não tem nenhum tipo de controle de participação direta nas decisões, não adianta. Que ela seja uma Constituinte alicerçada na soberania popular, onde o poder popular possa estar se expressando através de mecanismos de participação direta que tenha poder de decisão.
Como poderia funcionar essa maior participação popular?
A a gente tem que trabalhar de forma mais ampla o conceito de reforma e pegar não só a questão da democracia representativa e da questão eleitoral, mas a questão do poder. Pensar em novos mecanismos de democracia, dos conselhos e conferências e garantir que esses espaços sejam espaços de participação popular.
Além disso, pensar na democratização do sistema de Justiça, que é fundamental, do Ministério Público, da Defensoria Pública... Mas, também os aparatos de segurança do Estado, a Polícia Militar e a Polícia Civil. E também pensar na democratização dos meios de comunicação. Isso é o básico para a gente pensar o exercício do poder. Fazer uma reforma bem ampla é fundamental para a gente enfrentar essa crise política que nós vivemos.
Você acha que a PEC 282, que trata do fim das coligacões nas eleições proporcionais, é a melhor parte da reforma política, que chegou a discutir o distritão?
A questão das coligações é correta porque acabou que elas estão servindo para a negociata. Partidos que se coligam em função só da questão eleitoral, que não têm programa, afinidade ideológica, política nenhuma, que se coligam para ter a possibilidade de eleger alguém… Então o fim das coligações é correto e a possibilidade de fazer federações partidárias, de quem esteve junto no processo eleitoral e depois fique junto também por um período longo é correto. Mas, por si só, não vai enfrentar a questão da crise ou melhorar a questão da representação.
E qual a sua avaliação sobre a implementação da cláusula de desempenho?
O problema dos partidos de aluguel, que são partidos criados para vender o espaço de televisão, de radio, não vai ser enfrentado com a questão da cláusula de desempenho. Ela vai impossibilitar, na verdade, que você tenha partidos menores, mas profundamente ideológicos, que é fundamental para a democracia.
E o fundo de financiamento público?
A questão do financiamento público e exclusivo de campanha está associada ao debate da questão democrática porque em um processo eleitoral, você tem que ter o máximo de igualdade na disputa, seja na questão de tempo de televisão, de recursos, de estrutura... Não é só como o melhor mecanismo para enfrentar a questão da corrupção, também é, mas não é só isso. Democratizar o processo eleitoral, a questão da subrepresentação nos espaços de poder, das mulheres, da população negra, dos povos indígenas, da juventude periférica é fundamental.
De que forma é possível democratizar o processo eleitoral? O problema está nos critérios de distribuição dos recursos?
Estão tentando criar o fundo de financiamento eleitoral, mas os critérios que estão usando para distribuir esse fundo são critérios que acabam favorecendo os grandes partidos. Então, vai ser um mecanismo a mais de concentração de poder e não um mecanismo de democratização do poder. O critério que está sendo proposto é o mesmo que está sendo usado para a partilha do fundo partidário, que é o número de parlamentares que se tem. Então os partidos que têm mais parlamentares vão ter mais recursos e o financiamento público de campanha vai servir como instrumento de perpetuação do poder.
O que você acha de usar parte do valor destinados às emendas parlamentares impositivas como receita do fundo no ano eleitoral?
A proposta que eles estão apresentando das emendas tem um problema de origem. A questão de ter as emendas parlamentares já é uma aberração. Não deveria ter emendas parlamentares porque o papel do parlamentar não é ter um aporte de recursos públicos para financiar a sua base eleitoral, inclusive porque isso desvirtua depois o próprio processo eleitoral, porque esse parlamentar vai ter uma gama de recurso público para as suas bases que aquele que não é parlamentar não tem.
Edição: Vanessa Martina Silva