Na onda de recrudescimento na legislação que assola o país, o Senador Wilder Morais apresentou, no dia 12/07/2017 o Projeto de Lei do Senado nº 224, um projeto para alterar o estatuto do desarmamento, com vistas a autorizar a aquisição de uma arma de fogo de uso permitido por residentes em áreas rurais. Para tanto bastaria ter 21 anos, a comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa, comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.
Pelas regras atuais, o porte de arma é permitido para maiores de 25 anos que comprovem morar em zona rural e a necessidade de arma para caça. Relaciona-se, desse modo, com a necessidade de subsistência da família.
Menos de dois meses depois de proposto, o projeto já entrou na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado nesta quarta-feira, dia 13/9, para votação em caráter terminativo, o que significa sequer ser apreciado pelo Plenário da Casa. A velocidade é completamente distinta da usual. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania possui 1.911 projetos tramitando, alguns desde a legislatura passada. Significa que o projeto avançou em uma velocidade espantosa, e chama a atenção para o que está em jogo no debate de violência e segurança pública no país. Segundo o Atlas da Violência 2017 o Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. São 28,9 mortes a cada 100 mil habitantes. Os números representam uma mudança de patamar nesse indicador em relação a 2005, quando ocorreram 48.136 homicídios.
Os estados que apresentaram crescimento superior a 100% nas taxas de homicídio no período analisado estão localizados nas regiões Norte e Nordeste. O destaque é o Rio Grande do Norte, com um crescimento de 232%. Em 2005, a taxa de homicídios no estado era de 13,5 para cada 100 mil habitantes. Em 2015, esse número passou para 44,9. Apenas por armas de fogo: “de 1980 até 2014 morreram no Brasil 967.851 vítimas de disparo de arma de fogo. Morrem duas vezes mais negros que brancos vitimados por arma de fogo. No ano de 2014, armas de fogo mataram quatro vezes mais que a AIDS. As políticas de controle das armas de fogo, sancionadas em 2004, permitiram evitar um total de 133.987 homicídios. ”
Nesse contexto, a flexibilização de regras que autorizam o porte de armas além de facilitar o comércio impede que o Estado tenha um controle mais rigoroso sobre aqueles que possam vir a utilizar desse instrumento letal. Além disso, incentiva a circulação de armas que por via indireta alimenta o comércio ilegal e o uso inadequado das armas de fogo. Ressalta-se que a política de desarmamento foi das poucas que demonstraram alguma efetividade na tentativa de enfrentar o problema, a exemplo do dado colhido em 2013, em que o IPEA atestou que o Estatuto provocou 12,6% de queda da taxa 1 . A despeito disso, diversos outros
fatores influenciam na progressão das mortes e devem ser explorados de forma mais detida para que se logre êxito frente a esse grave problema.
Por outro lado, 2017 caminha para bater o recorde de mortos em conflitos no campo. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, até o mês de julho 47 pessoas haviam sido assassinadas na zona rural do país. No dia 24 de maio, 10 camponeses foram assassinados no município de Pau D arco, sudeste do Pará. No mês de julho, a Secretaria estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) e a Polícia Civil paraenses admitiram que as investigações e laudos periciais apontam que, ao contrário do que afirmavam os policiais que participaram da ação, não houve confronto com os posseiros. E essa foi apenas uma das 3 chacinas registradas em 2017.
A justificativa do senador Wilder Morais dá uma ideia do que pretende com o projeto: “o morador do campo encontra-se desassistido pelas forças de segurança em tempo hábil para preservar a sua integridade física e moral, o que demanda a atuação do Estado no sentido de assegurar seu direito à autodefesa”.
A intenção do projeto se apresenta clara. Em um Estado em que a luta pela regularização e acesso à terra é vista como um crime, flexibilizar a posse de arma para fazendeiro apenas pelo fato de residir em área rural, sem qualquer vínculo com a necessidade de garantir a subsistência alimentar é extremamente perigoso e pernicioso. Aumentará, sem dúvida, o número de conflitos com morte no campo.
Após o pedido de vista, o projeto estará na pauta da CCJ do Senado novamente na próxima reunião dia 20 de setembro.
* Tânia Maria de Oliveira é assessora jurídica do PT no Senado
Edição: Luiz Felipe Albuquerque