Na “semana da independência”, a Lava Jato voltou a ocupar a maior parte do noticiário brasileiro. Não houve nenhuma sentença bombástica ou reviravolta nos rumos da operação; pelo contrário, os acontecimentos recentes só confirmam a hipótese de seletividade nas investigações – e na cobertura midiática sobre o tema.
Na manhã do dia 5, a Polícia Federal (PF) localizou R$ 51 milhões dentro de um apartamento que seria utilizado por Geddel Vieira Lima (PMDB) em Salvador. Foi a maior apreensão em dinheiro vivo da história da PF. A busca e apreensão ocorreu no âmbito da operação Tesouro Perdido, que investiga possíveis fraudes na liberação de créditos pela Caixa Econômica Federal (CEF).
Geddel foi ministro-chefe da Secretaria de Governo de Michel Temer (PMDB) até 25 de novembro do ano passado, e cumpria prisão domiciliar há quase dois meses. Na sexta-feira, dia 8, ele foi encaminhado a Brasília, e deve permanecer detido no Complexo Penitenciário da Papuda.
É evidente que Geddel vai alegar inocência, mas será difícil reverter o quadro: a PF encontrou impressões digitais dele no apartamento onde estava o dinheiro. Na Lava Jato, o ex-ministro é acusado de usar sua influência política para favorecer a empreiteira OAS.
Cinismo
Mais uma vez, ficou demonstrado que os ministros escolhidos por Temer, ao tomar posse como presidente em 2016, estão mergulhados até o pescoço em denúncias de corrupção. Mesmo assim, os olhos da mídia corporativa seguem voltados para o ex-presidente Lula (PT). Evitar uma nova candidatura do petista à Presidência da República parece ser a prioridade absoluta dos oligopólios de comunicação.
No dia seguinte à apreensão dos R$ 51 milhões em Salvador, o jornal O Globo publicou uma imagem das malas abertas, cheias de dinheiro, no apartamento que seria destinado a Geddel, logo abaixo da manchete “Janot denuncia Lula, Dilma e PT por organização criminosa”.
Estratégia ou descuido dos editores, a manchete e a foto, impressa em tamanho gigante, são os dois elementos mais chamativos da página, e captam a atenção ao primeiro olhar. Para os desavisados que se deparam com o jornal na banca sem se deter ao texto, é como se as malas pertencessem à mesma “organização criminosa” descrita na manchete.
A solução editorial é tão rasteira quanto o conteúdo da denúncia. Nos quatro anos em que esteve à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), Rodrigo Janot nunca escreveu um texto tão generalista e carente de fundamentação.
A tese que ele propõe é a mesma expressa no enfadonho powerpoint de Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato: enquanto esteve no poder, o Partido dos Trabalhadores (PT) teria funcionado como uma grande quadrilha para recebimento de propinas, e o ex-presidente Lula seria o chefe e mentor de todos atos ilícitos cometidos na Petrobras nos últimos anos. Mais ou menos, como acreditavam os brasileiros que foram às ruas desfilar de verde e amarelo, abrindo alas para um governo golpista que destruiu direitos, afundou a economia e entregou o pré-sal de bandeja para o capital estrangeiro.
Tragédia anunciada
As semanas finais de Rodrigo Janot na PGR prometem ser trágicas. O texto da denúncia contra a cúpula do PT reflete o cansaço e a aflição de alguém que está prestes a deixar o cargo e não sabe para onde correr. Com o legado “em aberto”, a escolha de Janot foi apontar o arsenal contra Lula, o alvo preferido da mídia – que tem o poder de proclamá-lo herói ou condená-lo ao anonimato, após a saída da Procuradoria.
Mais do que indignação, a defesa dos acusados manifestou espanto com o conteúdo da denúncia. Em uma palavra, Luiz Flávio D'Urso, advogado de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, resumiu a peça como “surpreendente”. Como resposta, deu a entender que Vaccari irá simplesmente mostrar os recibos dos depósitos na conta bancária do partido, como fez em outros processos, para provar que ele e os demais acusados são inocentes. A defesa do ex-ministro Guido Mantega usou o termo “estranheza” para se referir ao sentimento provocado pelas acusações.
Incoerência?
No mesmo dia em que ofereceu denúncia contra o PT, baseado apenas na palavra de delatores, o próprio Rodrigo Janot levantou suspeitas sobre a negociação dos acordos de colaboração premiada na Lava Jato.
Como tem sido demonstrado na cobertura especial do Brasil de Fato, a operação está associada a uma série de violações constitucionais nas negociações entre Estado e réu – agora, até o chefe da PGR admite essa possibilidade. No entanto, desta vez, as duas notícias (denúncia contra o PT e suspeita sobre os acordos de colaboração) são apresentadas nos jornais sem nenhum tipo de conexão.
A suspeita levantada por Janot se deve a um áudio entregue pelos advogados da empresa JBS, onde são narrados supostos crimes que teriam sido cometidos por pessoas ligadas à PGR e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os indícios são tão graves que o chefe da PGR decidiu pedir revogação da imunidade dos delatores da JBS.
A conversa escandalosa entre o empresário Joesley Batista, da JBS, e o diretor de relações institucionais do grupo, Ricardo Saud, foi ofuscada por uma nova acusação – para não perder o costume – ao ex-presidente Lula, no dia 6. Mais uma vez, o que há contra o petista é apenas o depoimento de um delator, sem as devidas provas, com ampla repercussão midiática.
O “colaborador” da vez foi o ministro da Fazenda do primeiro governo Lula, Antonio Palocci (PT). Ele falou sobre supostas ilegalidades na relação entre o partido e a empreiteira Odebrecht, e sobre o papel decisivo que o ex-presidente da República teria desempenhado no processo de negociação das propinas.
Nos últimos dez anos, todo e qualquer pronunciamento público de Palocci era ouvido com ceticismo e desconfiança pela maior parte da mídia corporativa. Investigado na Lava Jato, o petista prometeu delatar um esquema bilionário que envolvia a atividade dos bancos, mas o assunto foi deixado de lado porque não interessou. Curiosamente, quando resolveu abrir a boca para incriminar Lula, foi como se o ex-ministro houvesse recuperado toda a credibilidade: se o Palocci falou, está falado! Ninguém mais desconfia.
Antonio Palocci não foi o primeiro nem será o último a depor contra Lula em troca de uma redução de pena. No mercadão da delação, algumas informações valem mais do que outras – e a cabeça do ex-presidente é a mais valiosa desde o golpe de 2016.
Ponderações
Antes de concluir esta análise sobre os últimos acontecimentos da Lava Jato, é preciso trazer à tona alguns elementos contraditórios, que ajudam a complexificar o debate e estimulam a reflexão.
O primeiro é que Geddel Vieira Lima, citado nos parágrafos iniciais deste texto, também foi ministro da Integração Nacional durante o governo Lula, além de ter sido indicado para a vice-presidência da CEF com a apoio de Dilma Rousseff (PT). De qualquer forma, há pelo menos três anos que ele está do lado golpista, participando inclusive de passeatas “contra o PT e contra a corrupção” (sic).
Outra informação que deve ser levada em conta é que Janot não denunciou apenas o PT por organização criminosa, mas também o PP e o PMDB, nos dias 1º e 8 de setembro.
Por fim, cabe ressaltar que o depoimento de um aliado histórico do PT, como Antonio Palocci, pode ser determinante a essa altura das investigações, desde que haja prova de suas afirmações.
Caso seja inocente, Lula terá um caminho espinhoso até uma possível absolvição. Além de bons argumentos, o ex-presidente precisará enfrentar todo o cinismo de membros do Judiciário que atropelam a Constituição em nome de interesses particulares.
Esta semana, a falta de pudor de operadores da Lava Jato e da mídia comercial veio à tona mais uma vez. Se restar comprovado que, assim como no caso JBS, houve interferência e direcionamento nos demais acordos de delação premiada, o constrangimento será completo.
Aliás, entre aqueles que apoiaram o golpe e todas as suas consequências, talvez não haja constrangimento algum: a Lava Jato será um sucesso à medida que caminhe para barrar a candidatura de Lula em 2018, como assistimos nos últimos dias. Todo o resto é ladainha para justificar arbitrariedades e suprimir as vozes dissonantes.
Enquanto isso, nos cinemas...
Edição: Ednubia Ghisi