O governo golpista de Michel Temer publicou no Diário Oficial da União da última terça-feira (8), uma consulta pública que pretende reformular o CGI (Comitê Gestor da Internet). O espaço discute as leis e diretrizes que regulam o funcionamento do sistema de redes no Brasil.
Segundo a conselheira do CGI, Flávia Lefevre, uma reformulação como a que está sendo estruturada pelo governo, poderá trazer riscos aos direitos garantidos pelo Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país.
“Nós corremos o risco de perder peso na representação de direitos como a liberdade de expressão, de proteção de direitos fundamentais, de direitos do consumidor. O que a gente teve foi uma proposta de consulta pública unilateral, com um viés dado para o ponto de vista e para os interesses do governo, sem nenhuma discussão dentro do CGI”, denuncia Lefevre.
O CGI foi criado em 1995, para regulamentar o serviço de comunicação da internet, que à época, deveria ser tratado de maneira distinta dos serviços de telecomunicações. Em 2003, no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um decreto especificou que o Conselho teria a participação de membros de vários setores, como acadêmicos e entidades do terceiro setor, além do próprio governo.
A consulta pública lançada pelo governo não foi informada ao Comitê, que fará a primeira reunião de sua nova gestão na próxima sexta-feira (18). Para Lefevre, a iniciativa é uma tentativa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação de possibilitar a entrada das operadoras de telecomunicação no CGI e flexibilizar debates como o da neutralidade na rede.
"Não é positivo tratar desse assunto de forma unilateral e com pressa. E que pode se 'inviezar' para o interesse privado das empresas em um contexto de internet das coisas [resolução para caracterizar novos equipamentos como tv's e aparelhos domésticos, que estão conectados à internet], que coloca os usuários em uma situação de vulnerabilidade muito grande", afirma.
Confira alguns trechos da entrevista:
Brasil de Fato: Como o Comitê recebeu a decisão do governo de criar uma consulta pública para a reestruturação do órgão?
Como a consulta foi lançada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações, especialmente coordenada pela SEPIN (Secretaria de Políticas de Informática), nós ficamos muito surpresos, porque esse assunto havia sequer sido cogitado no CGI. Nós não discutimos isso anteriormente.
Na segunda-feira, nós recebemos um e-mail do coordenador da [Secretaria de Políticas de Informática], Maximiliano [Martinhão], dizendo que o governo estava pensando em fazer essa consulta pública, para fazer uma revisão no CGI e que esse assunto seria pauta da nossa reunião agora, na próxima sexta-feira (18).
A princípio foi uma quebra na forma de comunicação, de trabalho e tratamento do tema pelo CGI e depois surpreendeu também porque, de acordo com o Marco Civil da Internet, quando a lei trata da atuação dos poderes públicos, ele fala que a governança da internet deve se dar de forma multiparticipativa, com a participação do governo, do terceiro setor, das empresas e da academia. O que a gente teve foi uma proposta de consulta pública unilateral, com um viés dado para o ponto de vista e para os interesses do governo, sem nenhuma discussão dentro do CGI.
Como o órgão deve reagir a essa consulta?
A minha pretensão, como representante da PROTESTE, a associação de consumidores e de todas as organizações que integram a coalizão Direitos na Rede, e outras entidades que votaram em mim no processo eleitoral, que foram 36 entidades da sociedade civil, é de que o governo suspenda essa consulta pública nesse momento, até porque ela tem um prazo para a contribuição da sociedade muito curto, de 30 dias, quando a gente está falando de um assunto bastante complexo.
É uma consulta pública que não está respaldada como geralmente se espera que aconteça: por um documento, um estudo, com reflexões, indicadores e tudo, a respeito da atuação do CGI.
Na minha avaliação, o governo está extremamente empenhado em rever pontos que são fundamentais para nós da sociedade civil, no Marco Civil da Internet. Por exemplo, a neutralidade da rede, que é a garantia que está expressa na lei, para que todos os dados, independente de ser uma empresa, ou pessoa física, se for algum texto de caráter político ou religioso, recebam o mesmo tratamento. Isso é o que está na lei.
Mas parece, pelo que está falando em matérias o Maximiliano Martinhão, que a previsão sobre neutralidade no Marco Civil da Internet, está obsoleta e que isso pode atrapalhar negócios, especialmente negócios relacionados à internet das coisas, e o governo está fazendo um plano nacional de internet das coisas. Está muito com uma visão de mercado.
Outra questão que incomoda bastante o secretário, que já se pronunciou diversas vezes publicamente, são as garantias que dadas no Marco Civil da Internet, para que os usuários deem o consentimento expresso e informado para a utilização de seus dados pessoais. Para ele é um entrave para os novos negócios de internet das coisas.
Ele sabe que com a configuração que o Conselho Gestor da Internet tem hoje, dificilmente ele vai conseguir interpretações a respeito desses aspectos, no sentido de relativizar esses direitos. Até porque foi o CGI, que ainda em 2009, editou uma resolução com decálogos de princípios para a governança na internet, onde essas questões são abordadas e serviram de inspiração para o Marco Civil da Internet.
O Comitê deverá ter ações específicas contra a consulta?
O que nos surpreende e o que nós queremos agora discutir, é que esse fato se torna um precedente de quebra de um princípio importantíssimo que está no Marco Civil, que é a garantia da governança democrática, da governança multissetorial. Essa quebra, para nós, é algo que sinaliza de uma forma muito negativa.
E está declarado que há influência das teles. Quando o Maximiliano Martinhão assumiu a coordenação do CGI e foi na reunião de 24 de junho de 2016, quando a junção do Ministério da Ciência e Tecnologia com o Ministério das Comunicações, ele disse que tem sido demandado por empresas provedoras de internet e por investidores, e que ele está sensível a essa questão.
Isso ele disse lá atrás, em 2016, e desde então esse tema não foi colocado em pauta, esse tema não foi sequer cogitado. Nós não somos contra uma revisão na estrutura do CGI, mas nós somos contra uma estruturação do CGI da forma como esse governo está propondo. Isso é um rompimento com o caráter multissetorial que tem orientado a orientação do CGI nos últimos anos.
Quais os riscos que essa decisão pode causar aos usuários?
Na internet, você tem obviamente questões comerciais enormes, porque você tem negócios, compras, tudo acontecendo pela internet, mas você também tem questões muito sensíveis como a proteção dos dados pessoais, porque a gente fica muito mais vulnerável quando a gente faz atividades pela internet, quando faz compras, participa de redes sociais.
Recentemente apareceu aí que pessoas que estão para se aposentar já estão sendo abordadas por bancos, que já sabem que essas pessoas estão no processo, antes mesmo delas estarem aposentadas.
Tem essa questão da necessidade de se assegurar uma proteção de dados pessoais, especialmente aqui no Brasil, onde a gente não tem uma lei de proteção, que está sendo debatida no Congresso, e a gente espera que seja aprovada o quanto antes.
E tem também a questão da neutralidade da rede, que afeta não só questões comerciais, mas também questões como liberdade de expressão, direito à comunicação, direito à informação livre, impedimento de que as pessoas sejam bloqueadas no seu acesso à internet, que é uma garantia que o Marco Civil trouxe, que foi o princípio da continuidade, que diz que as conexões não podem ser interrompidas, a não ser em questões de inadimplência.
Esse é o risco, nós perdermos a possibilidade de ter peso na representação de direitos como a liberdade de expressão, de proteção de direitos fundamentais, de direitos do consumidor.
O governo está com pressa de discutir em um outro cenário, direitos que foram conquistados com o Marco Civil da Internet e que foram reafirmados em junho do ano passado.
Edição: Mauro Ramos