Os territórios quilombolas Maria Valentina e Arapucu, situados nos municípios de Santarém e Óbidos, respectivamente, no Pará, foram oficialmente reconhecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na semana passada.
Para o coordenador da Associação Maria Valentina, Manoel de Jesus Miranda Coelho, de 68 anos, a publicação do relatório no Diário Oficial da União (DOU) é uma etapa vencida. Ele pondera, porém, que a vitória só virá mesmo quando todas as fases do processo de regularização fundiária forem concluídas e eles obtiverem o título definitivo.
“É uma esperança que a próxima [etapa] seja a regularização da terra. Saracura e Arapemã [comunidades quilombolas] já têm vários anos que passaram por esse processo e até agora não foram regularizadas. Esperamos que, com a máxima brevidade, possamos ter essa vitória”, diz Coelho.
O documento Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) obtido pela comunidade é a segunda etapa do processo de titulação do território quilombola. Após a entrega da certidão de autorreconhecimento, emitido pela Fundação Palmares, a comunidade quilombola solicita ao Incra que inicie o processo de regularização fundiária.
Próxima etapa
De acordo com o Incra, a próxima etapa será notificar pessoas que não pertencem às comunidades quilombolas e que estejam no perímetro ou na área de fronteira.
O Instituto também encaminha notificação para outros órgãos ligados ao patrimônio público, cultural e do meio ambiente para verificar se existe sobreposição de interesse nas áreas.
O Incra abre um prazo de 90 dias para receber eventuais contestações referentes aos relatórios. Caso haja, é feita a avaliação pela parte técnica e jurídica do órgão. O julgamento cabe ao Comitê de Decisão Regional (CDR).
Feitas a conciliação de interesses públicos e o julgamento de recursos das contestações das notificações, é dado início à etapa seguinte: a publicação da portaria de reconhecimento do território, a ser assinada pelo presidente da autarquia.
Retrocesso
A vitória das comunidades Maria Valentina e Arapucu é considerada um alento diante do atual cenário político do país. Na próxima quarta-feira (16), o STF irá analisar a ação movida pelo partido Democratas (DEM) que questiona a constitucionalidade do decreto 4887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
“São várias ciências que se juntam para produzir essa peça [de identificação do território quilombola], por isso a nossa luta é para que não se invalide esses processos, para que a gente possa seguir, mesmo com esse processo lento”, aponta Givânia Silva, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Ela ressalta ainda que o procedimento não é apenas uma política de terra ou de regularização fundiária, “é uma política de cidadania, é uma política que resguarda valores e histórias que o Brasil ainda não contou e ainda conhece”, define Silva.
Silva destaca ainda que a delimitação dos territórios quilombolas não só permite prosseguir com o processo para obtenção do título de suas terras, mas permite que essas populações tenham acesso a políticas públicas de saúde, educação e moradia, além de desvendar para o Estado a existências dessas populações.
“Ela acende para os olhos do Estado brasileiro a existência desses grupos, os saberes que ali estão preservados, a cultura daquele povo, o jeito de lidar com a terra, a forma como essas comunidades costumam preservar, não só sua cultura. Esse momento é extremamente importante, por isso que as comunidades desejam tanto que se chegue esse passo”, conclui Givânia Silva.
Edição: Vanessa Martina Silva