Entrevista

Ocupações apontam relação entre golpe, corrupção e latifúndio, diz dirigente do MST

Kelly Maffort, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, faz balanço da Jornada Nacional de Lutas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Dirigente lembra que "há um processo de bloqueio da reforma agrária" no Brasil
Dirigente lembra que "há um processo de bloqueio da reforma agrária" no Brasil - Reprodução/ MST

Desde as primeiras horas da manhã de 25 de julho, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) articula uma série de ocupações de terras em todas as regiões do país, como parte da Jornada Nacional de Lutas. 

Sob o lema “Corruptos Devolvam Nossas Terras”, as “ações diretas” denunciam “à sociedade, a relação entre o golpe, a corrupção e latifundiários”, afirma em entrevista ao Brasil de Fato, Kelly Maffort, da direção nacional do Movimento.

A Jornada acontece nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Sergipe, Piauí e Maranhão. Na Bahia e em Sergipe, os trabalhadores ocuparam o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e também realizaram marchas.

As ações criticam também as recentes tentativas do governo golpista de Michel Temer de legalização da grilagem e de privatização de assentamentos, como no caso da Medida Provisória 759. Segundo a dirigente, as medidas “são desastrosas para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, em especial na pauta agrária”.

“Em muitos desses casos, empresas que são sonegadoras de INSS, empresas com processos trabalhistas, com práticas de crimes ambientais, serão legalizadas em terras públicas da União, em um claro chancelamento do crime de grilagem”, afirma Maffort. 

A dirigente comenta ainda sobre o congelamento dos processo de  reforma agrária no país. "Há um processo de bloqueio da reforma agrária. Nós temos hoje 120 mil famílias acampadas, mas essas famílias acampadas têm uma média de acampamento de sete, dez, até quinze anos”, explica.

Confira a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato: Qual o balanço que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz dessa Jornada Nacional de lutas?

Kelly Maffort: Essa Jornada Nacional de Lutas tem como tema a reforma agrária nas terras de corruptos e ela, até agora, envolveu pelo menos oito grandes corruptos, e também algumas empresas corruptas.

Tivemos ações em todo o país, em pelo menos 13 estados. Algumas ações ainda estão sendo desenvolvidas. Nós temos a perspectiva de continuar essas ações. Estamos em plena Jornada.

As ações tiveram como alvo principal Michel Temer e o Coronel Lima, em São Paulo; Blairo Maggi, no Mato Grosso; Henrique Alves, no Rio Grande do Norte; Ciro Nogueira, no Piauí; Eike Batista, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro; Eunício de Oliveira, Ricardo Teixeira no Rio de Janeiro e também uma empresa que também está envolvida com esquemas de corrupção, que é a Nutriara, no Paraná.

A nossa avaliação é que o Movimento Sem Terra denuncia para a sociedade uma questão fundamental, que é a relação entre o golpe, a corrupção e os latifundiários. Então, é preciso que a gente consiga articular esses elementos e convocar a sociedade a se posicionar para que essas terras de corruptos sejam destinadas para a reforma agrária.

A Jornada foi um passo importante para conscientizar a população dos avanços contra esse setor que o governo de Temer tem feito, no caso da MP 759, entre outras medidas, que podem atrasar os processos de reforma agrária e também simbolizam uma perda de direitos?

As recentes medidas do governo Michel Temer são desastrosas para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, em especial na pauta agrária e também na pauta ambiental. Nós estamos tendo muitos retrocessos, especialmente vinculados à recente aprovação da lei originada por meio da MP 759, que praticamente regulariza a grilagem de terras no Brasil.

Muitos desses casos, empresas que são sonegadoras de INSS, empresas com processos trabalhistas, com práticas de crimes ambientais, serão legalizadas em terras públicas da União, em um claro chancelamento do crime de grilagem. 

Outro problema muito grave em relação à lei da grilagem é a questão da privatização dos assentamentos. Essa lei prevê que os assentamentos devem ser emancipados, titulados. Mas, na realidade, isso é uma forma também de privatizar os assentamentos e atingir em cheio a organização dos trabalhadores, os movimentos sociais.

Com essa Jornada, nós também estamos denunciando que a reforma agrária no país ela está bloqueada. Cerca de 120 mil famílias permanecem acampadas, e esse número deve crescer ainda mais com os graves problemas sociais que nós estamos vivenciando, especialmente ligados aos 14 milhões de desempregados e também ao agravamento dessa crise política e social que estamos vendo em nosso país.

Então tem muita necessidade de a gente avançar no processo de arrecadação de assentamentos, e o que o governo Temer tem feito é estender o golpe para todas as esferas do nosso país, inclusive para o campo brasileiro.

Também sobre essa questão da terra, as mortes no campo aumentaram neste primeiro semestre de 2017. Como o movimento tem acompanhado o avanço da violência no campo?

O ano passado, segundo dados da CPT, tivemos cerca de 60 mortes no campo. Esse ano já ultrapassa 40 assassinatos no campo. Isso não para, especialmente na região norte do país, na região amazônica, justamente palco desses conflitos, dessas contradições com o agronegócio e com o conservadorismo mais explícito no nosso país.

É preciso denunciar que esses assassinatos também estão envolvidos em chacinas, como ocorrido no Pará, no Pau D'Arco, mas também no Mato Grosso, em Colniza e eles fazem parte de um processo de criminalização contra os movimentos sociais, contra a pobreza, que também dialoga com a questão do assassinato da juventude pobre e negra nas periferias. 

Só nessa nossa jornada, já tivemos alguns exemplos desse processo de criminalização. Estamos com decisões muito rápidas de reintegração de posse nas ações em São Paulo, no Piauí e no Rio de Janeiro, que foi reintegrada a posse já na fazenda de Ricardo Teixeira.

Mas na comunidade do Açu, no Rio de Janeiro, nós tivemos um processo de reintegração de posse, uma ocupação já antiga, mas ela aconteceu agora, no bojo da jornada, e que resultou na prisão de três pessoas: dois agricultores de Açu e um dirigente do MST. Eles, felizmente, já foram liberados por todo o processo de pressão que foi feito.

Isso é parte do processo de criminalização. Toda vez que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou os movimentos se mobilizam, lutam, denunciam a corrupção, reivindicam as terras dos corruptos para a reforma agrária, há esse processo de criminalização e isso cimenta o caminho para que a gente chegue em um quadro tão drástico, no aumento do número de assassinatos que nós estamos tendo no nosso país.

Como as ocupações que aconteceram durante a Jornada Nacional de Lutas podem pressionar os corruptos, mostrando para a sociedade a ação, os bens, como eles conseguiram essas terras? 

Através dessa ação, que nós consideramos uma ação direta e ousada, mas uma ação popular, massiva, que envolve um grande número de trabalhadores e trabalhadoras rurais do país, também o movimento sem-terra quer fazer uma convocação para a sociedade, no sentido de qual deve ser o posicionamento do povo brasileiro, em relação a esse processo de retrocessos.

É preciso que a gente retome os atos, retome os processos de mobilização de rua, frente a esses enormes retrocessos, nós temos aí a reforma da Previdência pela frente, no próximo mês. Então nós precisamos retomar esse processo de luta de uma forma unificada. 
Junto com os atos, junto com as mobilizações, nós vamos fazer ações diretas, como esse processo de ocupações de terra. Esses corruptos possuem também muitas propriedades urbanas.

Esses imóveis rurais foram adquiridos, a maior parte deles, através de processos de corrupção, e parte deles também serviam para lavagem de dinheiro. Então essa é a denúncia: essa terra é nossa, essas terras são fruto de corrupção, portanto são terras do povo brasileiro.

Precisamos nos organizar, retomar esse processo e esse pode ser um caminho, inclusive para a gente enfrentar esse processo de crise política que estamos vivendo no nosso país, e também dar uma resposta efetiva dentro da crise econômica, buscando saídas de soberania para o povo brasileiro.

Com todos os retrocessos e ameaças do governo Temer, como estão os processos de reforma agrária?

Há um processo de bloqueio da reforma agrária. Nós temos hoje 120 mil famílias acampadas, mas essas famílias têm uma média de acampamento de sete, dez, até quinze anos. Temos alguns acampamentos recentes, mas a grande maioria dessas famílias já tem mais de sete anos de acampamento. Eles estão sob uma condição bastante precarizada e sem perspectivas concretas de arrecadação de terras para o seu assentamento, isso porque o rito da desapropriação tem sido muito atacado pelo governo Temer.

O movimento tem feito lutas para evidenciar novos mecanismos de arrecadação da terra, desapropriação, a questão da adjudicação, que seria uma medida jurídica para arrecadação de terras de empresas devedoras, sonegadoras de impostos. Mas nada disso tem resultado, efetivamente, na conquista de novos imóveis para o assentamento.

Por outro lado, a gente tem percebido que os acampamentos têm aumentado, mesmo sem ter essas conquistas. Isso tem a ver com a questão da crise econômica do país. As pessoas não conseguem pagar aluguel nas cidades, estão com dificuldades de se alimentar. A gente voltou a enfrentar o problema da fome, da desigualdade, então nossos acampamentos estão crescendo muito. Por isso que nós temos, na luta por reforma agrária, que também se vincula à luta pela moradia e trabalho, uma alternativa que essas famílias têm para poder enfrentar essa situação tão grave que nosso país está vivendo. 

Os assentamentos também estão sendo muito impactados por essas medidas, por que tal qual o corte que nós tivemos em vários setores, nós tivemos um corte drástico no orçamento do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], tivemos o desmantelamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, logo no início do governo Temer e também o fim dos programas sociais, porque diminuíram tanto os recursos que o programa praticamente não existe. Entre eles, eu destacaria o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], que é um programa muito importante que garante o planejamento da produção e a comercialização dos produtos da reforma agrária.

Isso afeta diretamente a renda das famílias e, principalmente, aqueles que são os mais afetados por essa situação de crise, que são as mulheres e os jovens. Além disso, essa lei recentemente sancionada, fruto da MP 759, ela tem uma política de concessão de títulos de domínio para as famílias assentadas.

O que o MST defende é um título de concessão do direito real de uso da terra. Ou seja, as famílias têm o direito de ter o título da terra, mas um título para usufruir da terra, passar de geração em geração, mas que seja vedado o direito à venda.

Nós acreditamos que isso é um processo de privatização e vai culminar em um processo de reconcentração naquelas áreas onde aconteceram processos de reforma agrária. 

Edição: Camila Rodrigues da Silva