"Eu vou continuar lutando por este país. Se tenho que entregar o pouco de vida que ainda me resta, entregarei por este país, para deixar algo aos que virão depois de mim”, diz a colombo-venezuelana Maria Piñeda, de 70 anos, ao falar sobre o processo constituinte do país. O processo irá redigir uma nova Constituição que aprofunde a participação popular nas decisões políticas. No processo, serão eleitos 545 representantes da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela.
Como se sabe, os setores de oposição, agrupados na chamada Mesa da Unidade Democrática (MUD), se negaram a participar do processo, alegando que o governo de Nicolás Maduro busca consolidar uma ditadura, inovando na forma com a qual serão eleitos os tais representantes. Em clara contradição, dirigentes da MUD acusam o governo de querer acabar com a institucionalidade democrática do país que, segundo eles, não é democrático.
A inovação da qual se referem diz respeito ao mecanismo de escolha dos deputados e deputadas constituintes, que se dará por duas vias: territorial, na qual cada um dos municípios venezuelanos elegerão um representante, totalizando 364; e setorial, na qual serão eleitos outros 181 deputados constituintes entre oito setores sociais (indígenas, comunas e conselhos comunais, pensionados, empresários, estudantes, pessoas com deficiência, camponeses e pescadores, e trabalhadores — no caso desse último setor, está dividido entre outros nove subsetores, a saber: petróleo e mineração, construção, social, comércio e bancos, economia popular — independentes, administração pública, transporte, serviços e indústria).
A menos de uma semana da votação, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), poder constitucional autônomo, responsável pela realização dos processos eleitorais no país, distribui um material gráfico explicativo, no qual afirma que não se tratam de setores abstratos, escolhidos aleatoriamente, senão de grupos sociais organizados, mensuráveis e verificáveis sob o ponto de vista formal. Cada venezuelano poderá votar em um candidato ou candidata, de acordo a sua localização territorial, e outro candidato ou candidata de acordo com seu respectivo setor.
O senhor David Paravisini, candidato à Assembleia Nacional Constituinte pelo setor dos pensionados, explica que já na constituinte de 1999 os indígenas foram reconhecidos como um setor consolidado, tendo eleito naquele momento três representantes para a Assembleia Constituinte que redigiu a Carta Magna vigente atualmente no país. Segundo ele, naquele momento, os pensionados não estiveram representados precisamente porque se tratava de um grupo pequeno de pessoas que tinham direito ao beneficio da Seguridade Social. De lá pra cá, através da política de inclusão e promoção da equidade social pelo governo do ex-presidente Hugo Chávez, esse setor foi se consolidando, o que justifica a inclusão dessa categoria no conjunto de setores que redigirão a nova Constituição.
“Quando o presidente Chávez chegou ao governo, em 1999, havia 320 mil pensionados, que recebiam uma miséria do Estado, já que as pensões não eram sequer reajustadas de acordo ao salário mínimo. Após um forte trabalho de ampliação do Sistema de Seguridade Social e de redistribuição da renda petroleira, esse número saltou para 3 milhões e 200 mil pensionados em 2017, o que para a população da Venezuela é um número muito significativo”, explica.
Paravisini lembra que nos anos anteriores à chegada de Hugo Chávez ao poder, os pensionados do país eram um grupo marginalizado no contexto das políticas de Estado, assim como outros setores que permaneciam desarticulados e à mercê das decisões de uma elite política que governava o país. Antes da constituição de 1999, os benefícios da seguridade social estavam restritos somente aos contribuintes do sistema, e sem qualquer vinculação com o salário mínimo. Nos últimos 17 anos, o sistema foi ampliado a todos os cidadãos, independente da contribuição formal, garantindo o direito aos homens com mais de 60 anos e mulheres com mais de 55 anos, e vinculando os benefícios ao valor do salário mínimo vigente.
“Porque se decide fazer essa constituinte levando em conta esses setores? Porque a Venezuela de hoje não é a mesma Venezuela de duas décadas atrás. Hoje há uma realidade diferente, em que o povo está organizado, e essa organização é reconhecida pelo Estado. Agora há comunas, o que antes não havia. Antes eram 320 mil pensionados, agora são mais de três milhões”, destaca.
Se bem é certo que há uma marcada divisão ideológica entre a população venezuelana, algumas pesquisas de opinião divulgadas por institutos nacionais apontam forte apoio dos pensionados à Assembleia Nacional Constituinte do próximo dia 30.
Maria Piñeda, empregada doméstica aposentada, 70 anos, é colombiana e vive na Venezuela há 42 anos. Emocionada, ela conta as dificuldades enfrentadas durante os governos neoliberais que antecederam o presidente Hugo Chávez: “Com Chávez eu consegui receber minha pensão, minha nacionalidade, pois depois de 30 anos vivendo aqui nunca tinham me dado. Este senhor veio favorecer a muitos venezuelanos, e também aos colombianos, que encontramos oportunidade de trabalhar nesse país que eu tanto amo”.
Ela se orgulha de ser uma das mais de três milhões de pessoas amparadas pelo Sistema de Seguridade Social da Venezuela, e é por este setor votará no próximo domingo. Para ela, frente a violência promovida pelos setores de oposição, não há outra forma de garantir as conquistas dos últimos anos senão seguir lutando. “Eu sei que esta oposição está a serviço do império. A ordem vem de fora, porque a conduta do venezuelano não é essa. Essa é uma violência importada. Eu vou continuar lutando por este país. Se tenho que entregar o pouco de vida que ainda me resta, entregarei por este país, para deixar algo aos que virão depois de mim”.
Segundo Paravisini, a novidade da participação dos pensionados como um setor na Assembleia Nacional Constituinte deve garantir uma ampla e profunda discussão sobre as necessidades das pessoas da terceira idade. “São necessidades que de repente não estiveram representadas na constituinte de 1999 porque esse setor ainda era bastante pequeno, e não tinha qualquer representatividade na política. Uma das demandas desse setor, por exemplo, é o direito à aposentadoria integral, que ainda não está constitucionalizada. Há sindicatos que já conquistaram esse direito através de acordos coletivos, e mesmo no setor público, através de uma política de Estado, se há praticado. Mas queremos garantir esse direito constitucionalmente, a favor da população idosa do nosso país”, destaca.
Oposição rejeita participar das eleições
Não é a primeira vez na história recente da Venezuela que a oposição política aos governos socialistas se nega a participar de um pleito eleitoral, com o claro objetivo de desqualificar o processo. Em 2005, os partidos de direita decidiram se retirar das eleições parlamentares, alegando que o processo estava contaminado pelos interesses do governo. Mais tarde, fizeram uma autocrítica, considerando a decisão um erro estratégico, pois o resultado dela foi a ausência de deputados opositores na legislatura que se seguiu.
De volta ao cenário político parlamentar a partir da eleição parlamentar de 2010, os grupos opositores foram ganhando espaço, chegando a eleger em 2015, quase dois terços dos representantes da Assembleia Nacional. Hoje, o mesmo Conselho Nacional Eleitoral que declarou a vitória arrasadora da direita nas últimas eleições legislativas, é colocado em cheque pelos setores da MUD, como justificativa para o não reconhecimento da constituinte, um dispositivo previsto na Constituição do país.
Embora a derrota eleitoral no plano parlamentar revele um descontentamento em relação ao atual governo, os candidatos socialistas ao governo central, ou seja, o ex-presidente Hugo Chávez e o atual Nicolás Maduro, lograram vencer as eleições presidenciais com um projeto de caráter claramente popular, o que, segundo David Paravisini, não ocorre com setores da oposição de direita, que tem como o único projeto: o desmonte das políticas sociais criadas pelos governos revolucionários.
“A oposição rejeita a participação popular porque têm um projeto anti-povo. São contra, por exemplo, o investimento público. O tratam como uma despesa desnecessária. Então claro, se vão a um processo eleitoral defendendo o corte do investimento público e o consequente desmonte do sistema de pensões, obviamente não vão conseguir votos suficientes para se eleger. Se o projeto deles for submetido a uma consulta pública, não têm a menor chance de ganhar”, assegura Paravisini.
Segundo o candidato, o instrumento da Assembleia Nacional Constituinte foi o último recurso do governo de Nicolás Maduro, para obrigar os setores de oposição a abrirem mão das estratégias de violência e sentarem a dialogar com o povo. “Acredito que o processo constituinte busca justamente obrigar a oposição a discutir o projeto de país pela via democrática, a sentar-se na mesa e dialogar. Dialogar com quem? Com o povo. Não querem dialogar com o governo de Maduro, então terão que dialogar com o povo em uma Assembleia Nacional Constituinte. Seguramente não irão reconhecer o processo, porque jamais reconheceram, exceto quando ganharam”, afirma.
Embora tenham anunciado que não participarão das eleições no próximo domingo, a oposição deve se organizar para rejeitar a aprovação da nova Carta Magna, assim que redigida, em processo eleitoral (referendo) que ainda não tem data definida, já que não há prazo definido para o funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte.
"Matemos nossa opinião sobre a Constituinte de Maduro. Ele fala em referendo depois de realizada. O objetivo de instalar essa Constituinte é dissolver a Assembleia Nacional", diz o deputado oposicionista do partido Voluntad Popular, Juan Andres Mejias. "Não há transparência, não há objetividade, não há disposições de quanto tempo vai durar", conclui Mejias.
Edição: Vanessa Martina Silva