Vivemos tempos difíceis. A atual crise política do Brasil, ao denunciar múltiplos golpes cotidianos contra a democracia, provoca a cada dia um ambiente de instabilidade, insegurança e dúvidas sobre os direitos e deveres constituídos.
Nesse ambiente antidemocrático, alguns sujeitos e espaços apresentam-se mais fragilizados devido aos condicionantes próprios de seu atuar e aos fatores externos que impactam sobre eles. A Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) é um destes casos.
Os ataques à Unila, realizados por alguns políticos do Paraná, são feitos a partir de uma política deliberada de negação de sua função social: a integração latino-americana. Chama atenção o desconhecimento sobre sua história e territorialização a partir de suas ações de ensino-pesquisa-extensão; o caráter despótico de não abrir o diálogo com os sujeitos diretamente envolvidos; e, a realização de propostas de modificação da lei, que divergem da realidade da Unila no território de sua incidência concreta: a Tríplice Fronteira.
Para explicitar a natureza diferenciada da Unila e sua vinculação com as necessidades da fronteira, teceremos algumas considerações sobre sua história, como forma de reforçar seu particular caráter de integração regional.
A história da Unila na Tríplice Fronteira
A construção de Itaipu foi muito polêmica. Ao longo dos anos 1970-1980, iniciou-se um processo de urbanização desumanizada, vinculado às expropriações de trabalhadores do campo e da cidade na região. Por trás das Sete Quedas destruídas em nome do progresso, ocultam-se diversas histórias vividas na região.
Com Itaipu, a fronteira tornou-se referência no mapa do desenvolvimento regional capitaneado pelo agroturismo. Novos processos, velhos problemas para os ribeirinhos, povos nativos, produtores camponeses. Itaipu tornou-se o motor da modernidade de Foz do Iguaçu e com ela surgiam novas imagens vinculadas a ideia de progresso.
Foz do Iguaçu foi transformada em um polo turístico internacional a partir da produção da ideia de modernidade que está por trás do Itaipu, o que fez com que as gestões políticas para o desenvolvimento local sofressem substantivas modificações. Entre elas, repensar o marco de desenvolvimento das três fronteiras a partir de uma política de integração via educação.
Se Foz do Iguaçu é um espaço para encontro de culturas, a Unila é uma ponte na construção de um conhecimento plural, diverso, vinculado com a realidade da fronteira
A história da Unila se mescla, assim, com o desenvolvimento de Itaipu, os novos desafios da região e, não menos importante o caráter de integração inicialmente dado pela gestão de governo do PT. Daí emana a confusão: por ter nascido desta combinação, muitos creditam a Unila a um partido, sem entender que se tornou um projeto de Estado.
A ideia de integração via educação está diretamente vinculada ao território da Tríplice Fronteira. Nesse sentido, as demandas das cidades do entorno de Foz do Iguaçu potencializam a Unila enquanto são fomentadas por ela, em uma via de mão dupla. Se Foz do Iguaçu é um espaço para encontro de culturas, a Unila apresenta-se como uma ponte na construção de um conhecimento plural, diverso, vinculado com a realidade da fronteira.
Alguns dados da Unila
Atualmente, a Unila conta com quase 3.700 estudantes de diversas nacionalidades matriculados nos 30 cursos de graduação e 7 cursos de pós-graduação. No quadro de servidores, são 518 técnicos administrativos, 129 trabalhadores terceirizados e 368 docentes. Entre estes, 301 professores brasileiros e 67 de provenientes de outros países da América Latina. Do total de 368 professores, 265 são doutores, 92 são mestres e 11 são especialistas. Isto representa uma movimentação econômica no plano imobiliário, alimentar, cultural de Foz do Iguaçu no montante aproximado de R$ 200 milhões, o que evidencia seu impacto no PIB do Oeste do Paraná.
De 2015-2017 foram mais de 500 ações de extensão territorializados na Tríplice Fronteira, abrangendo um público direto de mais de 110 mil pessoas. Além de 40 eventos de extensão cadastrados com alcance de 26.000 participantes. Dos diversos cursos ofertados, destaca-se a demanda por cursos de línguas com 42 ações, mais de 40 ações dirigidas às escolas públicas, cursinho pré-vestibular Ingressa e mais de 60 cursos voltados à formação continuada de professores. Além disso, A Escola Popular com ação direta com as comunidades de Foz do Iguaçu e as demandas de produção de alimento saudável vinculadas aos movimentos sociais do campo e da cidade na fronteira, dão a tônica da materialização da Unila no território, ao longo dos sete anos.
A integração como política externa e interna
A criação da Unila materializou uma ideia audaciosa e necessária: formar sujeitos que incidam nos problemas sociais e econômicos da América Latina a partir de suas áreas específicas (exatas, humanas e biológicas) com uma perspectiva de integração. Mais do que uma universidade brasileira, como outros importantes projetos, a Unila consolida uma deliberada política externa solidária entre diversos Estados Nacionais em cooperação com o Brasil. Política esta que repensa o papel do Brasil e dos países da América Latina como protagonistas e pares nas relações internacionais.
Do plano interno para o externo, a Unila materializa o parágrafo único do artigo 4 de nossa constituição, acerca dos princípios que regem as relações internacionais do nosso país. Neste artigo é salientada a necessidade de fomentar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina. Mais do que um projeto de governo, a Unila significa uma política de Estado amparada constitucionalmente. Política pública de impacto nacional, regional e internacional.
A Unila consolida uma deliberada política externa solidária entre diversos Estados Nacionais em cooperação com o Brasil
Do plano externo para o interno, a Unila é resultado de um momento recente da América do Sul onde a agenda e as metas da integração regional são ampliadas para além dos objetivos comerciais. A partir de 2003, com a emergência de governos progressistas na América Latina, as dimensões culturais, políticas e sociais passam a ser estimuladas a partir de projetos integracionistas. E a política de integração via educação é tomada como cimento para a integração de nossas sociedades e a produção de conhecimento para o desenvolvimento de nossos países.
A Unila expressa um desejo real de integração solidária dos povos da América Latina. O Mercosul comercial abre-se assim ao social e inclui demandas até então deixadas de fora como as pautas dos movimentos sociais do campo e da cidade no continente. Percepção que é fruto das melhores tradições de nossa política externa e que olha para nossos vizinhos como parceiros de desenvolvimento societário.
Nesse sentido, o próprio debate de integração entrou em pauta delimitando os limites de se pensar o econômico fora de uma lógica de autonomia dos povos, soberania dos Estados e reciprocidade entre os pares. A educação gerava possibilidades de integração com outra natureza para além da mercantil-comercial. E a Unila expunha sua função diferenciada frente os históricos projetos universitários brasileiros.
A partir desse novo padrão de integração, foi necessário criar diferentes processos de referência educativa, críticos à histórica lógica colonial, a partir de concursos públicos para professores de outras nacionalidades da América Latina e a disponibilização de 50% de suas vagas para estudantes não brasileiros, com vistas a explicitar desde sua raiz o caráter plurilinguista e de diversidade cultural do conhecimento a ser produzido e compartilhado.
Pelo respeito à Autonomia Universitária
A Unila trouxe para Foz do Iguaçu e seu entorno, pessoas de várias partes do Brasil, da América Latina e de outros continentes. Estas pessoas fizeram uma opção pela Unila. Logo, o que dá sentido à Unila na fronteira é esta diversidade a serviço da integração. Sua história passada e presente se mescla com o próprio desenvolvimento do Oeste do Paraná, tanto pelos que chegam, como pelos que se formam ao longo do processo contribuindo para a integração na região.
A Tríplice Fronteira é um território de pontes. Nesta construção, cumpre à Unila o papel de abrir caminho na produção de um conhecimento includente, propositivo, cheio de tons e cores conforme as nacionalidades que ali se encontram.
Por isso e muito mais, a Unila deve ser compreendida na sua particularidade para ser defendida por todos, como produtora de conhecimentos plurais que resultam em outro sentido de integração regional, dos povos. Sua Autonomia Universitária é constitucional e necessita ser respeitada. A Unila é projeto de Estado que ganhou vida no dia a dia das comunidades que são atendidas por ela, dentro e fora do Brasil. É uma Universidade a serviço das comunidades, capaz de responder aos problemas do seu tempo e contribuir na superação da histórica desigualdade econômica e social latino-americana.
*Cecilia Angileli, Karen Honório e Roberta Traspadini são professoras da Universidade Federal da Integração Latino-americana.
Edição: Ednubia Ghisi