Pais e mães com filhos nas escolas estaduais do Paraná que aderiram à gestão cívico-militar ouviram dos representantes dos Núcleos Regionais da Educação (NRE) sobre a importância e o diferencial do novo uniforme, que seria doado pelo governo. No entanto, as vestimentas viraram um grande problema e um possível desperdício de recurso público.
Com a implementação da gestão cívico-militar em mais de 280 escolas no Paraná, diversas mudanças foram introduzidas. Entre elas, o uso de uniformes específicos, uma farda azul.
Nesta semana, o líder da oposição na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), deputado Requião Filho (PT), denunciou em tribuna que mais de 95 mil conjuntos comprados em 2021 foram inutilizados pois teriam sido entregues fora dos tamanhos ou dos padrões pela empresa Triunfo, contratada pelo governo. O vestuário já foi pauta em 2021, quando as famílias reclamaram da qualidade e de que os alunos tinham que usar as mesmas peças a semana inteira.
Segundo relatos de comunidade escolar, a doação das fardas foi um dos principais argumentos apresentado pelo governo às famílias antes das consultas que decidiram, por votação da comunidade escolar, sobre a adesão daquela unidade de ensino ao modelo. “Hoje vemos que é a pior parte porque não tem quantidade suficiente para todos,” diz Fabiana Neiva, mãe de uma aluna.
Outra mãe, que não quis ser identificada, disse ter sido enganada pelo governo. “Eu votei a favor porque acreditei que seria para melhor. Mas, no caso dos uniformes, foi uma enganação. Meu filho só tem uma peça que ganhou em 2021 e não serve mais. Agora, não recebemos outro,” disse.
95 mil peças desperdiçadas
Segundo o deputado Requião Filho, a Triunfo venceu a licitação de R$ 45 milhões para entregar 1 milhão de peças de uniformes.
Mesmo com os problemas, a empresa assinou um segundo contrato com o governo do estado e continua prestando serviços.
O líder da oposição informou que, em fevereiro deste ano, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que os uniformes sejam entregues. Segundo este termo, o governo diz que houve descumprimento contratual e solicita que sejam fabricados 33.346 mil uniformes, sendo 17.349 mil fardas e 16.087 mil camisetas.
No documento, a Triunfo se compromete a entregar 33 mil unidades em seis meses. Em troca, deixa de responder processo administrativo e pagar multa prevista em contrato.
Escolas recomendam que roupas não sejam lavadas na semana
O problema com os uniformes não é novo. Famílias já denunciaram, em 2021, que diretorias de escolas haviam distribuído uma circular orientando que alunos usassem a mesma peça a semana inteira, sem lavar as roupas:
“Evitem lavar a calça e a blusa durante a semana; somente a camiseta, que foram doadas duas por aluno”, diz um dos itens de circular envida aos pais, em 2021, pela direção do Colégio Estadual Yvone Pimentel, umas das instituições de ensino que migraram para o modelo cívico militar no Paraná.
O Brasil de Fato Paraná ouviu na época os relatos de famílias com filhos nesses colégios sobre as dificuldades que estavam enfrentando. “Antes fazíamos mais peças nas confecções do bairro. As costureiras, com isso, também perderam trabalho. Agora, as crianças só podem entrar com o uniforme com a etiqueta da Triunfo”, comenta Juliana dos Santos, mãe de uma menina que cursa o sétimo ano do Colégio Estadual Yvone Pimentel.
Santos relata que a filha tem dificuldades para comparecer à escola. “As camisetas são totalmente transparentes. As meninas precisam usar duas, uma em cima da outra. Além disso, a escola acabou por recomendar que não se lave a blusa e a calça porque só receberam uma peça de cada e não pode ir para o colégio sem esse uniforme. Minha filha, por exemplo, tem o fluxo menstrual forte e para garantir o mínimo de higiene precisa trocar de calça durante a semana. Mas, e agora, como faz? Vai acabar faltando na aula”, diz.
Empresa investigada
O caso já é investigado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) desde outubro de 2021. O deputado estadual Tadeu Veneri (PT) apresentou denúncia ao MP-PR sobre as irregularidades, questionando o edital ganho pela Triunfo e apontando que ela é usada como empresa de fachada.
Segundo a denúncia, a Secretaria de Estado da Educação (SEED/PR), ao escolher as especificações dos uniformes, não se baseou em nenhum modelo conhecido, “mas estranhamente procurou a empresa Nilcatex, que tem os mesmos sócios da Triunfo S.A (que venceu todos os lotes da licitação) para fazer a cotação dos uniformes.”
“Os sócios da empresa Triunfo são os mesmos da empresa Nilcatex, que está envolvida em vários escândalos de corrupção. Cabendo ressaltar que no endereço da filial da Triunfo S/A em Fazenda Rio Grande, estranhamente, não tem atividade por semanas a fio e dentro do barracão não há nada”, apontou o deputado. O local deveria fabricar 129 mil kits para escolas militarizadas.
A SEED/PR foi procurada pelo Brasil de Fato Paraná, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Pedro Carrano