Nesta quarta-feira (14), data em que a morte de Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza completa um ano, indígenas realizam atos em Dourados e na capital Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, em memória ao jovem e por justiça.
Os cinco fazendeiros envolvidos no assassinato do indígena Guarani Kaiowá chegaram a ser presos preventivamente por 70 dias, mas estão respondendo ao processo em liberdade.
Clodiodi foi morto aos 26 anos no dia 14 de junho de 2016. Ele foi baleado em um ataque na fazenda Yvu, dentro da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambai Pegua I, no município de Caarapó (MS) -- cidade localizada a 273 km de Campo Grande. A emboscada de fazendeiros e pistoleiros, que, segundo relato de indígenas, durou cerca de quatro horas, deixou ainda dezenas de feridos.
Para Matias Benno, missionário da regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, o crime foi uma "tentativa de chacina". Clodioni, que era agente de saúde, estava no local para socorrer as vítimas do ataque. Pistoleiros dispararam tiros em direção a regiões vitais do corpo dos indígenas, como cabeça, tórax e abdômen.
"O massacre ocorreu à luz do dia, de forma completamente intencional e com questões anteriores ao massacre, inclusive ameaças dos fazendeiros perante as forças de segurança o Estado", disse Benno.
Dois dias antes do assassinato de Clodiodi, cerca de 300 Guarani e Kaiowá haviam retomado uma pequena área de aproximadamente 5 mil hectares dentro dos limites da TI Dourados-Amambai Pegua I. A TI, com área total de 55 mil hectares no cone sul do estado, na região de fronteira com o Paraguai, foi reconhecida no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff (PT) em 2016.
A ação direta de retomada das terras foi feita para marcar a espera de dez anos pelas demarcações do território entre os rios Dourados e Amambai e na região. Em 2007, o processo no estado foi priorizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) por causa dos conflitos na região, mas ainda estava paralisado.
Impunidade
Em junho de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou duas denúncias contra envolvidos em uma organização de milícia privada para cometer crimes contra os povos indígenas no estado. Segundo o MPF, os fazendeiros contrataram jagunços para atacar e ameaçar as comunidades.
Cerca de 40 dias depois, em decorrência do inquérito e com base nas evidências do caso, foi decretada a prisão preventiva dos fazendeiros. Mas o pedido de habeas corpus pela defesa dos fazendeiros foi acatado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Marco Antônio Delfino, procurador da República à frente do caso, considera a decisão uma "anomalia do sistema recursal". Para ele, o assassinato de Clodiodi revela que o estado brasileiro, dentro da perspectiva de responsabilidade e de proteção das comunidades indígenas, não tem instrumentos adequados para investigar e evitar esses crimes.
"A ausência de especialização dos policiais faz com que um simples cumprimento de mandado de prisão demore um tempo absolutamente incompatível, o que representa, do ponto de vista das vítimas, quase uma nova violação", disse.
O procurador defende que os órgãos de segurança criem mecanismos que permitam uma resposta rápida a possíveis ataques, já que os indígenas denunciaram a possibilidade do massacre que resultou na morte de Clodiodi um dia antes do episódio.
"Há necessidade que um sistema de alerta precoce e de resposta rápida a violações seja criado pelos órgãos de segurança. Eles têm que ter o preparo de detectar a possibilidade de violações sérias como as que ocorreram em Caarapó", alertou o procurador.
Quase um mês depois do assassinato de Clodiodi, indígenas relataram que homens armados em quatro caminhonetes e um trator atacaram novamente a TI Dourados-Amambai Pegua I. Na ocasião, três pessoas foram atingidas por tiros de armas de fogo.
Violência
Delfino relata que o episódio ocorreu dentro do contexto de uma força-tarefa criada em 2015 para investigar a formação de milícias no estado, que atuavam retirando, de forma violenta e sem respaldo judicial, os indígenas de territórios reocupados.
Segundo o levantamento do Cimi, houve 33 ataques paramilitares na área em que Clodiodi foi assassinado entre 2015 até junho de 2016. Em 2015, segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, 137 indígenas foram assassinados em todo o país, 36 registrados no estado do Mato Grosso do Sul. Já nos últimos 12 anos, o estado concentrou mais de 60% dos casos de assassinatos de indígenas do país: foram registrados mais de 400 homicídios.
Para Benno, do Cimi, os dados mostram um "processo ininterrupto de violência" na região.
"O que a gente tem denunciado, de maneira geral, é que isso não se trata e nunca se tratou de um evento específico, de uma questão eventual. Por mais drástico que seja, ele [o ataque] está dentro de uma questão maior que os indígenas têm denunciado, que é o processo de genocídio", afirmou o missionário do Cimi.
No ano passado, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, a CPI do Genocídio, apurou os casos de violência praticadas contra os povos indígenas da região entre 2000 e 2015 foram. O relatório, no entanto, isentou a atuação do Estado nos crimes.
Edição: Camila Rodrigues da Silva