A manhã do dia 24 de maio de 2017 marca mais um capítulo na sangrenta história dos conflitos por terra no estado do Pará.
Nesta data, dez trabalhadores rurais foram mortos no município de Pau d’Arco, no sudeste do estado, durante operação das polícias militar e civil com a justificativa de cumprimento de mandados judiciais.
A ação ocorreu na Fazenda Santa Lúcia, que havia sido novamente ocupada por sem-terra no dia anterior à chacina.
As famílias resistem há quatro anos a ações de despejo no local e lutam para que a área seja destinada para a reforma agrária.
Entre os mortos, estava Jane Júlia de Almeida, liderança do acampamento. A única mulher assassinada naquele dia.
O Brasil de Fato esteve na região e ouviu dois trabalhadores rurais que sobreviveram ao massacre.
Um deles foi o primeiro a acordar naquele dia, ouviu o barulhos dos carros se aproximando e decidiu acordar o restante do grupo.
Dois sem-terra foram verificar do que se tratava.
Por razões segurança, o Brasil de Fato não está usando o áudio original dos sobreviventes. As falas foram encenadas pela reportagem.
“Eles voltaram correndo, dizendo que era muita polícia, foi a hora que começamos a correr. Corremos bastante no meio do mato. Paramos em baixo de uma árvore, quando escutamos eles chegarem no acampamento chutando vasilhas, quebrando tudo”.
Na versão dos policiais, mais uma vez: a tese de confronto. Eles disseram que foram recebidos a bala no acampamento.
Para José Batista, advogado da CPT, a Comissão Pastoral da Terra, essa tese não se sustenta. Ele acompanhou os peritos no local do crime e ouvi os sete sobreviventes em depoimento ao Ministério Público Federal.
“Ocorre que as pessoas não foram se quer avisadas que teriam mandado, não teve nem tempo para isso, apenas a elas foi reservado dez sentenças de mortes”.
O agricultor Iranildo Porto, 55 anos, vive há nove anos no acampamento Campina Verde em Redenção, cidade vizinha a Pau D’Arco.
Ele disse estar preocupado com a situação dos acampamentos na região, pois não vê a reforma agrária acontecer no estado.
“Quando a gente ver um fato que aconteceu com os nossos companheiros isso nos deixa preocupados porque a gente tem várias situações, tem a situação agrária que nunca acontece, que cabe ao governo federal.”
As testemunhas relataram que a liderança Jane Júlia de Almeida sugeriu ao grupo ficar no local. Ela acreditava que os policiais não iriam procurá-los no meio da chuva, mas estava enganada.
“Em menos de dez minutos que a gente estava debaixo da lona esperando a chuva passar a polícia chegou já gritando: não corre não que vai todo mundo morrer, e já atirando ao mesmo tempo, gritando e atirando.”
Os relatos das testemunhas são fortes. Escondida em uma moita, a sobrevivente viu os momentos de sofrimento e desespero de Jane Almeida.
“Eu saí correndo e ela ficou sentada, eu não sei se eles mataram ela sentada, só lembro que eles falavam: levanta para morrer velha safada, velha vagabunda, cachorra. Xingavam de vários nomes e ao mesmo tempo sorriam e atiravam.”
Os corpos dos dez trabalhadores foram levados para Redenção, a cidade vizinha, amontoados na carroceria de caminhonetes e ficaram no hospital até a meia-noite daquele dia.
Como na cidade não tem Instituto Médico Legal, os corpos foram levados para outros municípios.
Segundo o agente da CPT, Igor Machado, as famílias, que aguardavam na funerária a liberação do IML, viram os corpos chegarem amontoados na caminhonete, envolvidos em lonas pretas. A cena causou revolta e indignação.
“Isso foi terrível, a própria desumanização, foi muito indigno a forma como chegou, então uma segunda camada de violência foi adicionada, já foram mortos em um contexto de massacre e os corpos chegam nessa situação. Então isso foi muito chocante.”
O Brasil de Fato teve acesso ao documento de negociação para desapropriação da Fazenda Santa Lúcia. O processo data de 2015.
O proprietário Honorato Babinski Filho propôs ao Incra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, um valor de cerca de trinta e um milhões e setecentos mil reais pelas terras, mas o processo parou.
A região em que ocorreu a chacina de Pau D’Arco é a mesma em que ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 21 trabalhadores rurais foram mortos.
Para o advogado da CPT, José Batista, os dois massacres, revelam mais vez um recado do latifúndio aos trabalhadores sem terra.
“Um recado de não incomodem, não ocupem e não causem prejuízos ao latifúndio dessa região, então essas são as razões que estão por trás de um ato tão violento como foi esse aqui”.
No estado do Pará, 18 pessoas foram assassinadas no campo, em menos de dois meses, segundo dados da CPT.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Pará, o caso está sendo investigado pelo Ministério Público e a Polícia Civil. Além disso, a Corregedoria da Polícia Militar também abriu inquérito para apurar as circunstâncias das mortes.
O governador Simão Jatene fez pronunciamento sobre o caso, afirmando que determinou apuração “transparente, isenta e rigorosa”.
O Ministério da Justiça, por sua vez, autorizou a Polícia Federal (PF) a apurar as mortes em Pau D'Arco, atendendo pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Edição: Camila Maciel