Cento e dez mil servidores públicos demitidos. Carreiras profissionais destruídas, famílias profundamente impactadas. Trabalhadores se suicidaram, outros entraram em depressão. Esta é a história dos demitidos durante o governo Collor de Mello, entre 1990 e 1992. E esta é uma história que ameaça se repetir.
Na década de 1990, os trabalhadores se recusaram a aceitar a exonerações arbitrárias passivamente. Iniciava-se ali uma luta intensa pela recuperação dos empregos que mobilizou milhares de pessoas em todo o país, com apoio de vários sindicatos. Não foi uma jornada fácil e ela, até hoje, não foi totalmente concluída.
Este mês de maio marca os 23 anos da legislação que abriu caminho para a reintegração dos demitidos. O presidente Itamar Franco, em 1994, promulgou a Lei 8.878, mas a anistia não se concretizou de imediato. Com a posse do presidente Fernando Henrique Cardoso, a esperança dos servidores sofreu mais um golpe. FHC determinou a revisão dos processos e promoveu, em muitos casos, uma inacreditável ‘desanistia’. Isso mesmo, servidores concursados que foram exonerados sem motivo conquistaram o direito de voltar ao trabalho sob o rótulo questionável de anistia - questionável porque, afinal, eles não cometeram crime para serem anistiados. Ainda assim, esse direito lhes foi cassado mais uma vez na gestão neoliberal dos tucanos.
Somente com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criada a Comissão Especial Interministerial (CEI) que tornou realidade a análise dos casos e a reversão de grande parte das injustas demissões. A anistia não recuperou as perdas, o tempo de contribuição para a previdência e a progressão funcional são dois exemplos de prejuízos incalculáveis para os que ficaram afastados. Hoje, há profissionais de 70 anos que ainda não têm tempo de serviço que permita aposentadoria decente. Mas o retorno permitiu o restabelecimento do vínculo, o salário pago mensalmente, os benefícios dos quais grande parte ficou privada por mais de uma década, enfim, o resgate da dignidade.
A injustiça só foi reparada graças à mobilização intensa dos trabalhadores que suportaram incontáveis viagens de ônibus à Brasília, acampamentos em que a comida era preparada em latões e fogueiras improvisadas, realização de inúmeras manifestações de pressão aos parlamentares e governantes durante todo esse período.
Nem todos os servidores que entraram com o processo conseguiram retornar ao trabalho. Com o golpe que tirou o mandato da presidenta Dilma Rousseff a Comissão Especial Interministerial praticamente parou de funcionar. O governo Temer, ao contrário, implanta uma política que nos remete ao desastrado governo Collor. Traz de volta o fantasma da ameaça aos trabalhadores – tanto do serviço público quanto da iniciativa privada. Enquanto avança com a reforma trabalhista, que retira direitos de todos os trabalhadores, aponta para a possibilidade de demissões imotivadas no setor público.
A demissão de 110 mil servidores por Collor levou enorme prejuízo à vida de todas essas famílias, mas também para a qualidade dos serviços públicos com a perda de profissionais qualificados e ainda para os cofres públicos, que tiveram que enfrentar inúmeras ações na justiça. Se não reagirmos a tempo, veremos a história se repetir, o Estados se desfazer, o desespero voltar a atingir milhares de brasileiros. Talvez, desta vez, sem esperança de anistia. Em tempos de exceção em que vivemos, os trabalhadores podem ser considerados culpados por crime grave: trabalhar para construir o Brasil. Por isso, relembrar a saga dos anistiados é mais do que necessário: é indispensável para que tenhamos a verdadeira medida da regressão que nos ameaça, mas também para nos inspirarmos na determinação deles. Os anistiados são exemplo vivo de resistência e, mais do que nunca, resistir é preciso.
Gilberto Palmares é deputado estadual (PT-RJ)
Edição: Vivian Virissimo