Do raiar do dia até escurecer. Movimentos populares, estudantes, sindicalistas e trabalhadores rurais ocuparam as ruas de Curitiba e deram continuidade à Jornada de Lutas pela Democracia com uma série de manifestações nesta terça-feira (9), véspera do depoimento do ex-presidente Lula (PT) ao juiz federal de primeira instância Sérgio Moro.
O primeiro ato político aconteceu às 6h30 da manhã, quando cerca de 1,5 mil trabalhadores rurais sem-terra do interior do Paraná se reuniram na rodovia BR-277, no sentido Curitiba-Campo Largo. Naquele local, há 17 anos, a Polícia Militar assassinou o agricultor Antônio Tavares Pereira e feriu uma dezena de pessoas. Além de homenagear Tavares Pereira, os trabalhadores denunciaram a criminalização e arbitrariedade do Estado contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Melhor relação possível
Cerca de vinte ônibus, de diferentes municípios, foram revistados pela polícia após a manifestação e se dirigiram ao acampamento montado na noite anterior no viaduto Capanema, entre a rodoferroviária e o estádio do Paraná Clube.
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“Nossa relação com o setor de segurança pública do município é a melhor possível”, disse o ex-ministro da secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que participa da organização do acampamento. “Nós viemos em uma missão de paz, e está tudo certo para ficarmos acampados até quinta-feira [11] ao meio-dia”.
Durante a manhã desta terça, os trabalhadores rurais montaram suas barracas, descansaram e passaram a organizar as atividades da Jornada. Aos 68 anos, Madalena Paim saiu de Quedas do Iguaçu (PR) e encarou nove horas de viagem de ônibus para estar em Curitiba no dia do depoimento do ex-presidente Lula: “É muito importante marcar presença, estar com o povo, ver a luta de perto”.
Vizinha de Madalena no acampamento Dom Tomás Balduíno, Degelira dos Santos gostaria que o depoimento fosse transmitido ao vivo. “A gente queria assistir pelo telão para ficar sabendo direito das coisas, e não só ver na TV depois e acreditar no que eles falam”, disse. A defesa de Lula solicitou a gravação e transmissão na íntegra do encontro com Sérgio Moro, para evitar problemas na edição das respostas, mas o pedido foi negado pela Justiça.
Além dos sem-terra que se deslocaram de ônibus do interior do estado, houve quem decidiu vir por conta própria. Aposentada do judiciário federal, Sandra Lúcia levantou cedo, saiu de carro de São Paulo e pretende ficar até quarta-feira à noite. “Acho importante que a gente se manifeste para colocar um ponto final nesse juiz que desrespeita o Código de Processo Penal e a Constituição. Vir aqui defender o Lula hoje é defender o Estado Democrático de Direito”, analisou.
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Golpe versus trabalhadores
Às 16h30, os cerca de três mil acampados assistiram à conferência “Em defesa da Constituição Federal e da Democracia: os desafios da classe trabalhadora”. O coordenador nacional do MST João Pedro Stedile abriu o evento com uma crítica contundente ao trabalho dos maiores veículos de comunicação do país. “A Globo se transformou no principal partido da burguesia brasileira”, concluiu, após uma análise de conjuntura.
Stedile também questionou a seletividade das denúncias de corrupção no Brasil: “Corrupção foi a operação Zelotes, que desviou bilhões de dívidas de impostos e ainda não cobraram. Corrupção é o que o banco Bradesco e o banco Itaú fazem todos os dias. Corrupção também é aquilo que o Aécio [Neves] recebeu, o [José] Serra recebeu. Então, vamos falar de todas as corrupções, e não só das que interessam a eles”.
A coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Beatriz Cerqueira, avaliou o dano causado pelas reformas do governo Michel Temer:
“Os deputados rasgaram a CLT. É simplesmente isso que nós estamos enfrentando. E essa é a guerra que nós precisamos fazer”, afirmou. “O golpe que nós estamos vivendo nos impõe o retorno da luta de classes. Mexeu com o petroleiro, mexeu com o professor. Mexeu com o professor, mexeu com o sem-terra”, concluiu, sob aplausos.
Culto ecumênico
Quando o sol se pôs, os trabalhadores rurais acampados prepararam o jantar e caminharam até a praça Tiradentes, na região central de Curitiba, para uma vigília inter-religiosa. Participaram do ato mais de dez religiões diferentes, todas contra a reforma trabalhista e em solidariedade ao ex-presidente Lula contra os abusos cometidos pela força-tarefa da operação Lava Jato.
Dom Naudal Alves Gomes, Bispo Diocesano da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, explicou como as lutas populares contribuem para a aproximação de diferentes religiões em torno de uma causa comum. Segundo ele, toda pessoa com fé, que se diz seguidora de Deus, deve buscar “a vida, a dignidade, a justiça e o direito para que as pessoas tenham todas, sem exceção, vida plena”.
Após o ato ecumênico, juristas paranaenses subiram ao palco e promoveram uma aula pública intitulada “Desvendando a Lava Jato”. Entre os presentes, estava o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).
O senador Lindbergh Farias (PT) também acompanhou a programação na praça Tiradentes e elogiou a postura dos manifestantes: “É um movimento muito bonito, pacífico, em solidariedade ao ex-presidente Lula. E amanhã vai ser um dia decisivo. Lula vai virar o jogo. Vai ficar claro nesse depoimento que não há provas contra ele. Eu estou otimista. Tentaram passar a ideia de confusão, conflito, mas a manifestação é pacífica”, enfatizou.
O depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro está marcado para as 14h desta quarta-feira (10), no prédio da Justiça Federal no bairro Ahú, em Curitiba.
Edição: Camila Rodrigues da Silva