A Câmara Federal aprovou, na noite desta quarta-feira (3), o substitutivo (projeto alternativo) apresentado pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA) na comissão especial sobre a reforma da Previdência, traduzida na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287. Depois de um dia inteiro de debates e intensa troca de farpas no colegiado, o governo alcançou 23 votos contra 14 dos opositores. Nenhum deputado se absteve de votar. A comissão avalia neste momento os 14 destaques que foram apresentados pelos parlamentares.
O placar, que corresponde às previsões traçadas, resulta não só das barganhas de bastidor empreendidas pelo Planalto, mas também de um troca-troca de membros titulares do colegiado que compõem a base aliada ao mesmo tempo em que se opõem à reforma. O governo se movimentou nos últimos dias para substituir parlamentares que pudessem colocar em risco o resultado almejado. O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) qualificou o placar como um “artificialismo”.
“O governo quer passar uma falsa imagem de uma maioria que ele não tem nesta Casa; tem feito substituições, ameaças, chantagens e chamado os colegas de infiéis. Mas os colegas que são contra a reforma não são infiéis; eles são fiéis à população brasileira. (…) Este resultado aqui é falso e não reflete o número que hoje teríamos no plenário”, completou o oposicionista, em entrevista ao Brasil de Fato.
Os partidos PT, PCdoB, PSOL, Rede, PDT, PHS, PROS e Solidariedade orientaram as bancadas a votarem contra a medida, enquanto a base aliada computou votos de legendas como PMDB, PSDB, DEM, PSD, PL, PP, PR, PSB, PRB, PTN, PSC.
Mudanças
O documento analisado pelo colegiado traz como alteração a inclusão de policiais federais e legislativos no regime de aposentadoria especial, com idade mínima de 55 anos para acesso à aposentadoria. A mudança está diretamente relacionada aos protestos das categorias do setor de segurança pública em torno da reforma. Nessa terça-feira (2), um grupo de agentes penitenciários ocupou a sede do Ministério da Justiça, em Brasília, como forma de demarcar oposição à PEC.
A iniciativa esquentou os bastidores do Planalto, que finalizou a edição do documento somente na madrugada desta quarta-feira, promovendo o referido ajuste, tendo emendado o relatório ainda durante o intervalo na sessão. No início da tarde, o relator havia informado sobre a inclusão também dos agentes penitenciários no regime especial, no entanto, após um intenso lobby nos bastidores do colegiado, o governista voltou atrás e retirou o grupo do regime. A atitude foi motivo de um dos principais embates na comissão.
Contexto
Na atual fase de tramitação, a PEC 287 está imersa em um cenário de contradições. Enquanto o governo objetiva celeridade na aprovação, teme uma derrota em plenário, onde a base aliada ainda não garante uma margem de segurança para a votação. Já a oposição se esforça tanto para adiar a apreciação final do relatório quanto para capitalizar o vácuo temporal que existe entre uma votação e outra.
Isso porque, tendo aprovado o relatório sem uma garantia de vitória final, o governo deve sofrer maior desgaste com barganhas nos subterrâneos do Planalto, à medida que os opositores da reforma contam com os segmentos populares para fazer crescer a massa de brasileiros que se opõem à PEC.
A expectativa está respaldada na última pesquisa de opinião feita pelo Instituto Datafolha, que acusa uma rejeição de 71% da proposta por parte da população, ao mesmo tempo em que o governo definha, com 92% das pessoas avaliando que o país estaria no rumo errado, segundo pesquisa da consultoria Ipsos, publicizada no final de abril.
“A população vai ficar ainda mais ciente da destruição de direitos que é essa reforma. (…) Esperamos que cresça a indignação popular e que nós tenhamos uma rejeição dessa proposta”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), encampando o discurso de desidratação crescente do governo.
Mais uma vez, a sessão da comissão se deu sob intensos protestos de grupos populares, que têm ido com frequência ao Congresso Nacional para exercer pressão sobre os parlamentares. Durante os debates no colegiado, um grupo de agentes penitenciários cercou uma das entradas da Câmara, sendo impedido pela polícia legislativa de ingressar no local.
Plenário
Enquanto a PEC centraliza o jogo de forças entre os parlamentares, a oposição mira a queda de braço final que circunda a tramitação da reforma na Casa. “A nossa disputa central é no plenário”, destacou a vice-líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em referência à dificuldade governista de angariar os 308 votos necessários à aprovação da matéria. Por se tratar de uma PEC, o regimento exige que 60% dos 513 deputados votem pela medida.
No que tange aos empecilhos enfrentados pelo governo, a perspectiva anunciada pelo cenário espinhoso é corroborada pelas recentes frustrações da base aliada. Na votação da reforma trabalhista na Câmara Federal, na última semana, o Planalto obteve 297 votos, abaixo da expectativa, que já vinha se frustrando desde a votação – ainda inconclusa – dos destaques do ajuste fiscal dos estados, no último dia 25. Na ocasião, os aliados somaram 241 votos, menos que os 257 exigidos pelo regimento.
Ainda sem data definida, a votação da PEC em plenário deve ocorrer na segunda quinzena deste mês, segundo informou nesta quarta (3) o presidente da comissão, o governista Carlos Marun (PMDB-RS).
Transparência
Um dos principais pontos de ebulição entre governo e oposição se deu por conta da dificuldade de acesso ao substitutivo final apresentado pelo relator, que foi disponibilizado aos membros do colegiado somente após o início da sessão. O material trouxe cerca de 30 páginas com modificações.
Apesar de o regimento da Casa não fixar um prazo de antecedência, deputados da oposição destacaram que, em geral, os parlamentares recebem os documentos antes do início da sessão. Eles apontaram ainda que a demora seria uma estratégia orientada para a tentativa de sufocamento dos debates.
“Isso mostra que o governo continua inseguro na apresentação do relatório, por isso a todo momento tenta trazer uma novidade, mas todas elas são insuficientes, com poucas concessões. O relatório continua muito cruel, sobretudo com os mais pobres”, criticou Molon, reforçando as críticas.
“Essa reforma é o modelo mundial da exclusão previdenciária, que foi usado na Espanha para o descalabro da economia e dos trabalhadores espanhóis”, comparou a líder do PCdoB na Câmara, Alice Portugal (BA), acrescentando que o tempo mínimo de 25 anos de contribuição penaliza fortemente a classe trabalhadora brasileira, que está sujeita a um mercado de trabalho com alta rotatividade.
“Trabalhadoras domésticas, por exemplo, que acabaram de ter direito ao benefício previdenciário, estarão excluídas do processo”, pontuou a deputada, em referência à recente aprovação da PEC das Domésticas, em 2015, quando o segmento passou a ter direito legal à carteira assinada.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), no último trimestre do ano passado, por exemplo, 68% das domésticas não tinham carteira assinada. O levantamento é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Edição: José Eduardo Bernardes