Com três anos completados em março de 2017, a Lava Jato ainda é um dos principais fenômenos no cenário político brasileiro. O Brasil de Fato ouviu dois especialistas sobre o legado da operação para o país. Para Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), nos últimos dois anos, o sistema político “se desintegrou”, ainda que não só por conta da Lava Jato. Já segundo Patrick Mariano, advogado e mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), os efeitos jurídicos da operação são “nefastos”.
Impeachment
A operação, segundo ambos, foi um dos aspectos fundamentais no impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).
“A Lava Jato foi instrumentalizada para instruir o golpe. Para mim, não há dúvida disso”, diz Fornazieri. “No processo de impeachment, houve um direcionamento focado no PT, quando se sabia que o problema era generalizado. Não se trata de livrar o PT, mas nós vemos agora que, aparentemente, há uma corrupção muito maior nos outros partidos”.
O professor menciona os “vazamentos seletivos, as prisões preventivas” e a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o Código de Processo Penal, uma pessoa só pode ser forçada a prestar depoimento com escolta policial se houver recusa a pedido anterior.
“Todas as ações do juiz Sérgio Moro visavam promover prejuízo político, fugiram de tecnicidade do judiciário e se transformaram em ações políticas”, sintetiza.
De acordo com Gomes, a Lava Jato “subverte princípios constitucionais e preceitos legais que vêm desde o iluminismo, deixando o indivíduo, perante o Estado, em uma situação desfavorável”: “As delações se tornaram um prova inequívoca. Muitas das prisões preventivas são ilegais”, critica. Para eles, estas “práticas autoritárias” têm se multiplicado em outros processos pelo país, prejudicando principalmente os mais pobres, maior parte dos processados criminalmente no Brasil.
“Os reflexos dela no mundo jurídico são nefastos. Ela introduziu uma prática de persecução penal - de apuração de crimes -, que está se tornando um modelo que ataca frontalmente direitos e garantias individuais”, resume.
Impunidade
Gomes questiona também o próprio discurso de combate à corrupção da Lava Jato: “A contradição dos defensores da Lava Jato é que a maioria dos que delataram teve suas penas perdoadas. Que Justiça é essa, que virou um negócio? Tem empresário que pega dois anos de pena, em regime domiciliar. Não acabou com a impunidade, está perpetuando ela”.
Em julho de 2016, de acordo com levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo, o juiz federal Sergio Moro já havia perdoado 326 anos de pena.
De outro lado, aponta o advogado, a Lava Jato não faz distinção entre as empresas e suas direções, prejudicando a economia nacional: “Em sua sanha, eles acabaram destruindo boa parte do capital produtivo nacional, sem nenhum peso na consciência, sem responsabilidade com os trabalhadores”.
Novo patamar
A lista do Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) com pedidos de abertura de inquérito contra políticos, somada à liberação do conteúdo das delações premiadas de executivos da Odebrecht parecem contrariar a observação de que a Lava Jato atua de forma seletiva.
“Houve uma mudança de patamar. A lista do Fachin, de certa forma, desloca o eixo da Lava Jato de Curitiba para Brasília. Se comprova, finalmente, que o problema não era só o PT, pelas próprias declarações do Emídio Odebrecht. Cai, aparentemente, a proteção que vinha sendo dada ao PSDB”, analisa Fornazieri.
Ele critica entretanto, a ausência de Michel Temer (PMDB) – que “aparece como um dos maiores articuladores de propina e caixa dois” - da lista. Fachin se baseou na vedação constitucional de processar o presidente da República por crimes cometidos em momento anterior ao mandato.
Teori Zavascki, ministro que era responsável pela relatoria da Lava Jato no STF, entretanto, defendia a possibilidade de investigação contra a presidência para possíveis ações judiciais após o término do mandato.
Fornazieri diz que “o sistema político ruiu” e defende que, “dentro da lei”, as investigações devem continuar. Não apresenta esperanças, entretanto, que atuação do sistema de Justiça possa resolver os problemas da política.
“Tem que haver uma vontade reformadora do sistema político e partidário. O sistema político tem que se auto-reformar. Não cabe ao judiciário fazer isso. Infelizmente, vemos pouca capacidade nesse sentido. Me parece que essa crise vai demorar alguns anos para ser superada”, resume, indicando que o cenário está aberto a “aventureiros” nas próximas eleições.
Arbitrariedades
Patrick Gomes é mais crítico em relação à euforia causada em torno da lista de Fachin, ainda que concorde que se tornou mais clara a influência das empresas sobre o Estado e não apenas governos: “O que a Lava Jato tem feito é decretar o fim da política, como se esta não fosse um valor positivo na sociedade. Esse direcionamento somente à classe política é um dos componentes autoritários da operação”.
“A seletividade continua: só o setor da construção civil foi focado. A relação do sistema financeiro com a política se dá em bases éticas? É ingenuidade achar que tudo gira em torno da Odebrecht, que nunca perdeu uma ação no STF ou no STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Ninguém fala de corrupção no Judiciário, dos meios de comunicação”, critica.
Além disso, segundo ele, a Lava Jato continua marcada por excessos, o que exigiria uma postura crítica, independentemente das pessoas atingidas. A atuação da operação, em sua visão, passa a ideia de que o Estado é a fonte de todos os problemas, perspectiva que fortalece propostas privatistas.
“Para aqueles que acreditam no sistema democrático, temos de dar o mesmo tratamento a todos. Deve-se lembrar que a delação diz tudo, mas não prova nada. É a palavra de alguém que cometeu um crime. A mesma criminalização açodada que se faz contra um adversário pode ser utilizada contra você. Eu não vejo a delação como uma verdade incontestável. Não podemos comemorar o arbítrio estatal”, finaliza.
Edição: Vanessa Martina Silva