Certa vez, Mahatma Gandhi escreveu “olho por olho, e o mundo acabará cego”, em acertada crítica à lei do talião, que consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena. A arcaica legislação foi colocada em prática na noite deste domingo (09), durante o Troféu Imprensa 2017, uma espécie chinfrim de Oscar da Televisão Brasileira promovido pelo SBT.
A advogada paraibana e apresentadora do Jornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade, famosa por suas opiniões polêmicas e exponencial defensora do conceito de “bandido bom é bandido morto”, foi moralmente violentada pelo seu patrão Silvio Santos. Ao reclamar dos comentários políticos de Sheherazade nos telejornais, o homem do baú disse que “você foi contratada para ler notícias, não foi para contratada para dar a sua opinião. Se você quiser fazer política, compre uma estação de televisão e vai fazer por sua conta”.
A tentar argumentar e já visivelmente constrangida, a apresentadora disse que havia sido chamada para opinar. Foi aí que a situação piorou muito. Silvio rebateu: “não. Chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz, para ler as notícias no telepromter. Não foi para você dar a sua opinião”.
Celebrar que a apresentadora tenha sido humilhada e violentada moralmente é algo pior até do que a lei do talião.
Ao entregar o troféu de melhor jornalista pela votação na internet, Silvio Santos ainda largou que “ganhou dos internautas, merece. Merece ficar quietinha. É melhor pensar no seu novo casamento”.
Declarações deste cunho feitas no âmbito privado, apenas entre chefe e funcionária, caracterizam assédio moral e machismo. Em cadeia nacional, me parece linchamento público. Excluída a violência física, seria algo como o caso do menino despido, dilacerado e amarrado ao poste no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Ao comentar a reportagem exibida em 2014, Sheherazade defendeu os agressores. “Num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. (...) O que resta ao cidadão de bem, que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro”.
A postura conversadora midiática de Sheherazade, que por tantas vezes demonstrou parcialidade, partidarismo e preconceito, é algo passível de críticas, sem dúvidas. Celebrar que a apresentadora tenha sido humilhada e violentada moralmente é algo pior até do que a lei do talião.
Davi Macedo é jornalista e colaborador do Brasil de Fato Paraná.
Edição: Ednubia Ghisi