Os réus confessos do assassinato de uma das principais lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Rondônia, Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, serão julgados nesta quinta-feira (23) na capital Porto Velho. Mais de um ano após sua morte, as motivações e os verdadeiros responsáveis pelo crime ainda seguem sendo questionados por militantes do movimento.
João Dutra, da coordenação do MAB em Rondônia, afirma que mesmo com a confissão dos réus ainda há lacunas na investigação. Por esse motivo, foi aberto um segundo inquérito para apurar a real motivação do assassinato e se havia a participação de outras pessoas além de Edione Pessoa da Silva e Leonardo Batista da Silva.
“A polícia civil abriu um segundo inquérito, então a gente espera que nessa audiência agora os réus atuais sejam condenados, mas que a polícia civil continue paralelamente com a investigação para aprofundar alguns pontos que estão inconsistentes. Uma das questões é que a gente acredita que tenha ocorrido a participação de outras pessoas nesse crime que não foram apresentadas. Há muitas contradições nas confissões dos réus e nos depoimentos dos familiares deles”, argumenta Dutra.
Devido ao papel desempenhado por Nicinha na liderança do MAB, o movimento não descarta que a morte da ativista esteja relacionada à sua atuação contra as barragens do rio Madeira feitas a partir da construção das usinas de Jirau e Sano Antônio.
Dutra também conta que, além das denúncias feitas por Nicinha sobre os impactos provocados pelo aumento no nível de água do reservatório da usina na comunidade, ela também denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) que a água da represa estava inundando áreas florestais, provocando extensos alagamentos e colocando em risco a sobrevivência de extrativistas.
Após muitas denúncias e pressão junto aos órgãos do governo, a comunidade onde ela morava foi reconhecida como atingida pela hidrelétrica de Jirau e a Agência Nacional de Águas (ANA) determinou a relocação de todos os atingidos para um local seguro.
Família
A família vive um drama à parte. A filha de Nicinha Ivanilce Andrade conta que ela e outra irmã que tiveram que reconhecer o corpo da mãe no Instinto Médico Legal (IML). Emocionada, ela relata que só agora, próximo ao julgamento, com o réu preso e o corpo da mãe sepultado, a família tem conseguido alcançar certa paz: “tudo o que a gente pediu a Deus está acontecendo. Ano passado minha mãe estava desaparecida, até então não se sabia de fato o que tinha ocorrido, não se sabia nada e hoje, após um ano do fato ocorrido, a gente já tem o corpo dela, o réu confesso e o julgamento dele”, conta.
Relembre o caso:
Nicinha, então com 50 anos, desapareceu no dia 7 de janeiro de 2016. O corpo foi encontrado após cinco meses, no dia 21 de junho, a 400 metros de sua antiga moradia, no acampamento de pescadores localizado no Rio Mutum.
Edione Pessoa da Silva confessou o homicídio e disse ter contado com a participação de Leonardo Batista da Silva, que responde pelo crime de ocultação de cadáver.
Além de Nicinha, outras 17 pessoas foram assassinadas só em 2016 em Rondônia, número que representa 34% de todos os assassinatos envolvendo esse tipo de conflito no país naquele ano.
Feminicídio
O Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), revelou que entre 1980 e 2013 foram assassinadas 106.093 mulheres, 4.762 só em 2013, último ano do levantamento.
De acordo com os dados de 2013, o nordeste é a região com o maior número do homicídio de mulheres, com uma taxa de 79,3 mortes por 100 mil mulheres. O ranking é seguido pelo norte, onde a taxa foi de 15,3 de homicídios por 100 mil. Neste cenário, Rondônia se destaca. O estado liderou, ao lado de Paraná e Mato Grosso, o ranking de homicídios de mulheres brancas, com taxas acima de 5 por 100 mil.
Serviço
O julgamento tem previsão para começar às 8 horas no Fórum Criminal Fouad Darwich Zacharias, localizado na Avenida Rogério Weber, nº 1928, em Porto Velho.
Edição: Vanessa Martina Silva