Uma comitiva de senadores e deputados brasileiros se encontra em Israel nesta semana a convite de organizações ligadas ao Estado de Israel. Os senadores Jorge Viana (PT-AC), Humberto Costa (PT-PE), Kátia Abreu (PMDB-TO), Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Ana Amélia Lemos (PP-RS) e os deputados Eduardo Cury (PSDB-SP), Bruna Furlan (PSDB-SP) e Pedro Vilela (PSDB-AL) viajaram a Israel no último domingo (19) e passaram a semana conhecendo programas do governo israelense, além de terem se encontrado com representantes de Israel e da Palestina.
A viagem é parte do Project Interchange, um instituto educacional do AJC, sigla em inglês para Comitê Judaico Norte-Americano. O AJC é uma organização sionista – que defende Israel como um Estado judaico – e, por meio do Project Interchange, leva atores internacionais como políticos e jornalistas ao país para conhecer a sociedade israelense e “as importantes contribuições de Israel em suas áreas de atuação”. Desde 1982, quando foi fundado, o projeto já levou à região “aproximadamente 6 mil vozes influentes de mais de 100 países”, segundo seu site, e em 1992 passou a fazer parte do AJC.
O convite aos parlamentares brasileiros foi feito pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB), a Federação Israelita de São Paulo (FISESP) e o Instituto Arthur e Rochelle Belfer para Assuntos Latino-Americanos, braço do AJC na América Latina.
Desde segunda-feira (20), senadores e deputados da comitiva têm compartilhado fotos e relatos da viagem em suas redes sociais. A comitiva brasileira se encontrou com jornalistas, ministros e parlamentares israelenses, assim como representantes da ANP (Autoridade Nacional Palestina), e foi até a fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, território palestino que vive sob bloqueio de Israel desde 2007 e que observaram desde um voo panorâmico.
Para Arturo Hartmann, membro do movimento Palestina Para Todos, tais viagens, financiadas por instituições voltadas para a defesa do Estado de Israel, são parte da tentativa de normalizar a atual situação do processo de paz estabelecido em 1993 com os Acordos de Oslo. Os acordos estabeleceram a criação da ANP, que viria a controlar os territórios palestinos ocupados por Israel, e o reconhecimento palestino do Estado israelense – mas não estabeleceram a criação de um Estado palestino independente.
Segundo o ativista afirmou a Opera Mundi, tal processo, que tinha o objetivo de resolver a questão palestina, acabou determinando “novas formas de domínio e controle de Israel dos territórios ocupados”. A própria criação da ANP, diz ele, permitiu a Israel mediar “o controle e policiamento da população palestina”. “É uma forma de governo sem soberania. Os palestinos não têm nada para ceder, só o controle da própria população”, afirma, visto que Israel controla o acesso aos territórios palestinos e tem intensificado a expansão de colônias judaicas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
“Monta-se uma estrutura muito maior e se solapa uma das maiores agendas da esquerda mundial [a libertação e independência palestina], com a participação de civis e autoridades internacionais, como essa viagem”, critica Hartmann, acrescentando que tais expedições buscam “normalizar a ocupação e a etnocracia”: “Israel se vende como uma democracia, mas vários mecanismos internos garantem que permaneça um Estado judeu de maioria demográfica judaica, com privilégios que se dão em detrimento de outras populações, como a palestina”, afirma.
A assessoria do senador Jorge Viana (PT-AC) disse a Opera Mundi que o parlamentar não vê problemas em viajar a convite de organizações engajadas na defesa do Estado de Israel, e ressaltou que o senador "não é contra a Palestina".
O senador Humberto Costa disse a Opera Mundi que respeita a visão de Arturo Hartmann, mas que “discorda frontalmente dela”. “A viagem não se insere nesse contexto e, ainda que se inserisse, não seria capaz de mudar minhas convicções sobre a urgente necessidade da criação e reconhecimento mundial de um Estado Palestino”, afirmou. Segundo Costa, a expedição “se insere em um contexto de diplomacia parlamentar como qualquer outra, em que congressistas brasileiros trocam experiências com suas contrapartes e conhecem experiências de outras nações”.
Ele também afirmou que sua viagem não foi financiada pelas organizações que fizeram o convite e que sua “missão oficial é custeada pelo Senado Federal, como membro daquela Casa”. No entanto, segundo confirmaram assessores dos parlamentares a Opera Mundi, as outras viagens se dão por conta do Project Interchange, como tem destacado a senadora Ana Amélia (PP-RS) em seus posts no Facebook.
Questionado sobre com que políticos israelenses e palestinos ele se reuniu, Humberto Costa afirmou que a comitiva brasileira se encontrou, do lado de Israel, com Manuel Trachtenberg, parlamentar do Partido Trabalhista – de oposição ao governo de Benjamin Netanyahu –, Yuval Schteinetz, do partido governista Likud, e Modi Efraim, diretor adjunto do Departamento de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores de Israel.
Do lado palestino, a comitiva se encontrou com Rami Hamdallah, primeiro-ministro da ANP, e com o empreendedor Shadi Atshan. Segundo o senador Costa, com os israelenses, “a questão da ocupação dos territórios palestinos e as medidas do governo israelense em relação aos árabes foram tratadas por nós”, assim como, com os palestinos, “tratamos, entre outros temas, da questão do Estado Palestino e da ocupação de Israel por meio de assentamentos”.
Hartmann diz ser interessante que a comitiva brasileira visite território palestino ocupado e se encontre com autoridades palestinas. Segundo ele, porém, “há que se ter cuidados” com a contradição entre “realidade e representação” que envolve essas atividades, com a justificativa do encontro “com opressores e oprimidos”.
“Assim como a sociedade israelense, a sociedade palestina não é homogênea. Representantes da ANP têm posição de privilégio dentro da sociedade palestina”, diz o ativista, lembrando que estes têm permissão especial para entrar e sair de Israel e dos territórios palestinos, coisa que a enorme maioria dos cidadãos palestinos não tem.
Segundo disse a Opera Mundi a assessoria da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), um dos interesses da parlamentar é o sistema de irrigação de Israel, país que “tem as melhores tecnologias e é um dos maiores especialistas do mundo” nesta técnica. Hartmann apontou que Israel se destaca neste sistema, assim como em outras tecnologias, porque as desenvolve como parte da ocupação dos territórios palestinos.
Segundo a organização Ewash, que trabalha com o direito à água nos territórios ocupados, Israel mantém o controle de todos os recursos hídricos disponíveis na Cisjordânia. O sistema de irrigação de ponta de Israel extrai e transporta 80% dessa água para o consumo israelense, enquanto aos palestinos está permitido utilizar os 20% restantes – outro ponto estabelecido nos Acordos de Oslo.
A indústria israelense se desenvolve nos territórios ocupados ilegalmente e também deve ser questionada nesse sentido, diz Hartmann. “Israel não é ‘bonzinho’ aqui e ‘mauzinho’ ali. É um processo complexo, há que se entender as ligações, e qualquer ator internacional ou figuras públicas como os parlamentares brasileiros têm a responsabilidade de questionar isso”, afirma o ativista.
Questionada sobre isso, a assessoria de Kátia Abreu disse a Opera Mundi não saber se a senadora está ciente do “apartheid da água” imposto por Israel à Palestina, mas que ela está interessada na tecnologia utilizada, não em de quem é a água.
Hartmann aponta os posts no Facebook da senadora do PMDB como exemplos de reprodução de discursos “que reforçam essa estrutura de poder desigual” entre Israel e Palestina. Ele cita um post em que Kátia Abreu fala sobre as “azeitonas israelenses”. “Os palestinos é quem são conhecidos pelas oliveiras. Esta é uma prática colonial de apagamento. Vão se apagando os símbolos, e dentro daquele contexto se está reforçando o ganho simbólico do conquistador”, afirma.
O ativista considera “extremamente contraproducente” que os parlamentares tenham viajado desta maneira a Israel e que “reproduzam esse discurso, pacote problemático que se liga a crimes internacionais. Não sei se fazem conscientemente ou não, mas acaba acontecendo”, diz Hartmann. Ele acredita, porém, que esta seja uma boa oportunidade para ampliar o debate sobre a questão. “Talvez a gente tenha mesmo que falar mais sobre isso, sobre a Palestina, trazer para o debate público, para que as pessoas possam dizer ‘não vou’” diante de tais convites, afirmou.
Edição: Opera Mundi