Como parte da reorientação do papel e do modo de atuação da Petrobras, a companhia anunciou recentemente uma licitação para retomar as obras para a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Apenas empresas estrangeiras foram convidadas a participar do processo.
A medida recebeu críticas de entidades representativas da indústria interna, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nesse sentido, a Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) enviou documento ao governo que diz, entre outras coisas, que a medida “uma péssima sinalização para as empresas que têm planos de investir na indústria de bens e serviços no Brasil. É um sinal de alerta para aquelas empresas que já investiram, as quais sem muita dificuldade podem sair do país, deixando para trás mais desempregos e impostos que deixarão de ser gerados”.
A entidade também contesta, no texto, argumentos que vinculam a política de conteúdo nacional com casos de corrupção: "Cabe esclarecer que não foi o Conteúdo Local que levou à corrupção tratada no âmbito de Lava Jato e, sim, a metodologia de contratação da Petrobras de projetos completos em poucas empresas".
O Brasil de Fato conversou com Alberto Machado, diretor de Petróleo, Gás, Bioenergia e Petroquímica da Abimaq, sobre a posição da entidade em relação ao tema.
Machado é objetivo: “A política de conteúdo local pode não ser o ideal a longo prazo, mas é necessária no momento para manter a viabilidade dos empregos e diminuir a perda dos empregos futuros”. Por conteúdo local entende-se uma política que estabelece que parte dos componentes de uma planta industrial devem ser fabricados em território brasileiro.
“Exportar petróleo não pode ser o objetivo principal. O objetivo principal é desenvolver a economia do país”, diz ele. “Junto com a indústria do petróleo você desenvolve a indústria de suporte, que é a que fica. O petróleo tem uma vida de 40, 50 anos. O país continua”.
Confira abaixo.
Brasil de Fato: Por que a Abimaq defende a política de conteúdo local?
Alberto Machado: A indústria de bens de capital está passando por uma fase extremamente complicada: queda dos investimentos do país, a crise econômica pela qual o Brasil está passando... A indústria de bens de capital, de base, são aquelas mais prejudicadas. À medida que não ocorre investimentos, acaba nos prejudicando e diminuindo as possibilidades de fornecimentos.
Como isso se relaciona especificamente com a exploração petrolífera?
A área de petróleo tem uma capacidade muito grande de alavancar o desenvolvimento, porque tem uma cadeia de valor extensa. As encomendas dela abrangem uma área grande de fornecedores, de diferentes segmentos. A política de conteúdo local, que inclui as empresas brasileiras no processo, é fundamental para que a gente consiga manter o nível de ocupação de nosso mercado.
No passado, devido à sinalização dada pelo governo e pela própria Petrobras, aconteceram muitos investimentos no Brasil, e esses investimentos ainda não foram pagos, dependem de uma demanda que viria agora. Se acabar-se com a política de conteúdo local, a tendência é que essas compras sejam feitas no exterior.
Todo mundo sabe que o Brasil não é um país competitivo. Tudo aqui é mais caro, por vários motivos, mas fundamentalmente por que temos a taxa de juros mais alta do mundo, há o problema do câmbio com grande volatilidade. R$ 3 para US$ 1 não é uma taxa adequada. Há ainda outros pontos, o próprio sistema tributário além de muito caro é muito complexo, demanda custos até para ser operacionalizado.
Na sua opinião, qual seria o impacto do abandono da política de conteúdo local, pensando na sociedade em geral?
Há três tipos de empregos: diretos, indiretos e os derivados do efeito renda. Na indústria, [em nosso caso], os diretos são aqueles que trabalham na empresas que fabricam máquinas e equipamentos e também os componentes - partes, peças, ainda um nível abaixo da indústria de máquinas. Há, depois os indiretos, aqueles para dar suportes: o pessoal de transporte, hotelaria, restaurantes, serviços não técnicos, como treinamento. Há um grupo enorme que está em volta da indústria.
Até mesmo porque se exige um preparo maior, nossa indústria tem um tempo de maturação do profissional que demanda por volta de quatro a mais que a indústria automobilística, por exemplo. Em muitos casos, é um trabalho quase manual, artesanal. É um treinamento que demora. Demanda tempo e dinheiro. Tudo isso leva a uma remuneração maior: abre-se a condição de comprar um carro, viajar, levar o cachorro no pet shop. Há uma disseminação do dinheiro. Se você corta o cordão umbilical "lá em cima", você mata os efeitos derivados da renda. O prejuízo na sociedade é muito grande.
Como a entidade recebeu o anúncio em relação à Unidade de Gás do Comperj?
Para a Abimaq, a origem do capital não importa, até porque a maioria de nossos associados é de capital estrangeiro. O que é importante para nós é que empresas gerem emprego e renda aqui. O não pode é as empresas fazerem uma entrega do produto pronto [vindo de fora].
Se uma empresa estrangeira quiser se estabelecer aqui, como tantas ja fizeram, não há problema. Há exemplos de empresas que vieram para cá, investiram centenas de milhões de dólares para poder fornecer aqui. Isso, para nós, é perfeito. Precisa fazer aqui, ou, pelo menos, boa parte. Nenhum país do mundo é 100% independente do mundo.
Tem outras vantagens ao longo da operação: quando você faz o trabalho aqui, a manutenção, reposição de peças é muito mais fácil do que depender de alfândega de transporte internacional.
Os defensores da revisão da política de conteúdo nacional, incluindo o presidente da Petrobras, Pedro Parente, dizem que a questão é tratada de forma ideológica...
O presidente [da Petrobras] falou em ideologia. Não é ideologia. É seguir o exemplo da Noruega, do Reino Unido, dos próprios Estados Unidos. Junto com a indústria do petróleo você desenvolve a indústria de suporte, que é a que fica. O petróleo tem uma vida de 40, 50 anos. O país continua.
Não basta o governo exigir o conteúdo local se o governo não buscar medidas que diminuam o custo Brasil: redução da taxa de juros, modificar as formas de financiamento, a nossa cobrança de impostos é muito complexa. A política de conteúdo local pode não ser o ideal a longo prazo, mas é necessária no momento para manter a viabilidade dos empregos e diminuir a perda dos empregos futuros.
Mas isso não pode dinamizar a exploração de petróleo?
Se você olhar os países que privilegiaram a produção de petróleo, e hoje estão até na Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], verifica que eles são extremamente dependente do mercado de commodities, que varia ao bel prazer do mercado mundial - o Estado não tem poder para decidir seus planos, está à mercê.
Exportar petróleo não pode ser o objetivo principal. O objetivo principal é desenvolver a economia do país.
O petróleo é um dos mais complexos no mercado e no estabelecimento de preços. Além de variáveis usuais, como qualquer outra commodity tem, ele tem outras características. Tem um aspecto geopolítico mais importante, é um energético vital para todos os países. Existe uma distribuição de reservas em países, eu diria, pobres e o dinheiro dos consumidores está nos países ricos. O petróleo é uma moeda de investimento, no mercado futuro. Está sujeito a problemas climáticos. Até mesmo a questão do terrorismo.
Uma mudança de 180º é ruim até imagem do país, que não tem políticas permanentes e fica à mercê de mudanças de governo, que são esperadas.
Quais as perspectivas da entidade em relação a esse debate?
Nós estamos confiantes na nossa capacidade de defender nossa posição. Estamos buscando embasamento. Há bases sólidas que podemos comprovar. Temos mostrado dados em relação ao que acontece com o desemprego, até com a própria arrecadação de impostos. A renda que vem para o país com exportação de petróleo é pequena, muito ligado aos royalties. À medida que há um envolvimento de outras cadeias produtivas do país, há uma possibilidade muito maior de alavancar a economia. Entendemos que nossa posição é fundamental para o país.
É uma posição do governo, mas temos levado argumentos a cada momento e temos conseguido, de alguma forma, colocar o pessoal para pensar. Algumas decisões que já estavam praticamente tomadas nós conseguimos reverter. A decisão teria sido tomada em dezembro, mas até agora vem sendo discutida.
Você se refere à proposta de “política global” de conteúdo local?
A política global, com valores baixos, é a mesma coisa que não ter. Existe um conteúdo local natural que não pode ser feito fora. Os poços estão aqui, então os serviços de perfuração tem que ser aqui. Dei uma exemplo, mas existem outros duzentos.
Existe um dado genérico que aponta que no investimento em um campo de petróleo, 50% são serviços, 30% são máquinas e equipamentos e 20% são materiais diversos. Serviço é mão-de-obra mais o aluguel de algum aluguel temporário de equipamento. Materiais são as chapas, tintas, vernizes. Máquinas e equipamentos são o que vendemos: máquinas, bombas, compressores.
Se você tiver um conteúdo global de 40%, é possível chegar nesse patamar apenas com serviços, sem colocar um único equipamento. Essa é nossa luta. Se não houver uma divisão entre bens e serviços, não se permite que aqueles que vendem materiais, máquinas e equipamentos participem do processo. É importante destinar um percentual a eles.
No caso do Petrobras, há outro elemento a ser observado. Boa parte da matéria-prima utilizada na indústria de máquinas é vendida pela Petrobras: combustível, óleo de corte, óleo lubrificante, tinta, verniz, plástico, borracha sintética. A própria empresa no topo da cadeia acaba estando também na base. O mercado dela é o mercado brasileiro. À medida que ela desloca esses itens para a China, ou outros países, há também uma perda deste mercado. É duplamente prejudicial para o Brasil.
O Estado deve ter algum mecanismo de viabilizar o fornecimento a partir do Brasil. Se não, perde-se todo esse fluxo positivo de recursos e empregos que poderia vir como demanda do petróleo.
Edição: Vivian Fernandes