CULTURA

Pichação carioca: arte ou vandalismo?

A cidade maravilhosa é pioneira e toda rabiscada com pichadores espalhados por todos os bairros

Rio de Janeiro (RJ) |
Pichação próxima à rodoviária Novo Rio
Pichação próxima à rodoviária Novo Rio - Byron Prujansky

A cruzada do governo paulista contra os pichadores ecoou nas mídias sociais e a discussão sobre arte ou vandalismo urbano veio à tona novamente. O recém eleito prefeito João Doria Junior (PSDB) adotou como uma de suas primeiras ações de governo o programa Cidade Linda, que tem como principal objetivo apagar pichações e grafites nos muros da cidade. Após pintar de cinza várias pichações e parte do maior painel de grafite a céu aberto da América Latina, localizado na avenida 23 de maio, vários protestos apareceram nas paredes. Com a reação da sociedade, a prefeitura voltou atrás e anunciou novas pinturas e apoios aos artistas de rua mas a insatisfação popular ficou no ar.

A mídia noticiou que a Secretaria Estadual da Segurança Pública destacou o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), grupo da Polícia Civil especializado em crime organizado, está mapeando pelas redes sociais os locais onde os pichadores se reúnem e planejam uma ação de prisões coletivas. Isso aconteceu em Belo Horizonte em 2015, quando 15 pessoas foram indiciadas por formação de quadrilha e lojas de tintas tiveram seus materiais apreendidos. A Justiça autorizou a instalação de tornozeleiras eletrônicas nos acusados, que também foram associados ao tráfico de drogas nalguns casos. O ato de pichar prevê detenção de três meses a um ano, além de pagamento de multa, e a partir de 2012 uma lei estabeleceu uma pena mais dura caso a pichação seja contra monumentos ou bens públicos: seis meses a um ano de encarceramento. Ao enquadrá-los no crime de formação criminosa a pena pode chegar a 8 anos de prisão.

Para entender melhor quem são os pichadores e o que pensam, mergulhamos durante duas semanas nesse movimento nas ruas cariocas. Embora com caligrafias diferentes de todas as capitais do Brasil, a cidade maravilhosa é pioneira e toda rabiscada com pichadores espalhados por todos os bairros. A polêmica entre arte e vandalismo continua, e trazemos alguns elementos sobre esta intervenção estética nos muros para ampliar o debate.

Segundo Paulo Knauss, professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), trata-se de uma das expressões humanas mais antigas que nos remete às cavernas pré-históricas: sempre existiu e sempre existirá, pois é uma das formas básicas de expressão livre dos seres humanos. Configura o campo do grafite urbano contemporâneo, cujo aumento da oferta de cores no mercado foi determinante, acrescentou. Suas primeiras expressões nos anos 1970 surgiram com LerfáMú e Celacantoa provoca maremoto, no Rio de Janeiro.

“As motivações e mensagens variam e são acompanhadas pela inovação de técnicas. Pode até ser que o grafite do spray acabe, mas a inscrição livre certamente encontrará outras soluções. Já estão usando cartazes feitos em serigrafia manual, ou o lambe-lambe. E há instalações efêmeras que subvertem os usos dos lugares da cidade”, afirma.

Tanto a pichação quanto o grafite, ainda de acordo com o pesquisador, são fruto de uma iniciação colaborativa não institucionalizada fora do ensino formal das artes: uma base comunitária comum da contracultura. Nesse sentido, envolvem costumes, comportamentos, ideais e outras expressões criativas. Não é à toa que muitos pichadores grafitam e vice-versa, diz. Sua interpretação pode ser comprovada nas Rodas de Rima, como é conhecido o Circuito Carioca de Ritmo e Poesia, onde jovens de vários segmentos, dentre eles os pichadores e grafiteiros, se reúnem por meio do rap diariamente em várias praças públicas da cidade.

Uma radiografia da pichação Carioca

Vários estilos caracterizam o xarpi carioca, como é conhecida a pichação entre eles, com o verbo pichar ao contrário. Tem os que são conhecidos por andarilhos, que andam toda a cidade e espalham geograficamente os seus “nomes” e demarcam territórios. Geralmente são os que picham mais pedras, conhecidas como “eternos”, que são mais difíceis de apagar. Os mais “disposição” são reconhecidos pela altura de suas pichações, seja usando escada, corda ou escalando. Quando sobem no topo de algum lugar, chamam de “beiral”, onde escrevem de cabeça para baixo ou pisam em parapeitos. Nas marquises buscam pichar em cima das janelas, mas alguns prédios também têm “recuados” acima delas. Dependendo da parede, chamam de “pastilha” ou “tintão”, que são os materiais mais usados nas construções. Casas mais antigas também são procuradas, principalmente as de “vidrinho”, um concreto que fica “foscado” e é difícil de apagar. A tinta preto fosco é a mais usada, mas com o avanço do grafite muitas cores surgiram.

Tudo depende dos bairros da cidade: na zona sul, por exemplo, têm poucas pichações porque além da quantidade de seguranças e câmeras apagam. Os condomínios pagam a limpeza, que é cara, ao contrário de muitos bairros no subúrbio, Baixada Fluminense e zona oeste. Os pichadores mais “experientes” procuram locais com “nomes” mais antigos na esperança de deixar seu rabisco por mais tempo. Prédios abandonados são muito procurados. Muitas “escoltas” são estudadas antes da “missão” e materiais de pintura, como a lata de tinta com o rolo, também têm sido utilizados para dar mais destaque. Patrimônios públicos e situações que possam sair nos jornais, “dar mídia”, como estátuas em dias de homenagem, são visados. Descer prédios de rappel (corda) e dar “janelada” (escalar andares levantando pelo ombro do parceiro) têm ocorrido de uns anos para cá e são muito comentados.

O pichador VINGA, que atuava na década de 80 e 90, foi o mais conhecido. Seu nome era estampado nos jornais, a polícia o procurava por toda cidade. Invadia sozinho prédios e casas e pichava seus topos, além de várias igrejas e patrimônios públicos. Seu “nome” nos ponteiros do relógio da central o imortalizou na pichação carioca. Dizem que morreu há alguns anos, seus últimos nomes apareceram no início dos anos 2000. Outro famoso era o TANE, mais de 20 anos depois ainda é possível ver seus rabiscos em pedras de quase todos os bairros. Outros “relíquias”, como são chamados os antigos, têm frequentado reuniões de pichadores (local onde são assinadas folhas para quem coleciona pasta e falar sobre o assunto): assinam G80, em referência à geração dos anos 80, e têm caligrafias mais arredondadas.

As siglas das galeras também têm suas singularidades. Algumas organizam pessoas por bairros e outras por afinidades. A 5* (cinco estrelas), criada há alguns anos, tem reunido os mais conhecidos de siglas diferentes da nova geração. Muitas são símbolos, como a Legalize, da zona sul, e a Loucos, da Baixada Fluminense, que têm a letra L com um círculo desenhado. O mundo virtual também tem sido um ponto de encontro: XARPI tem mais de 13 mil membros no facebook, onde postam fotos e comentários. Imagens e vídeos ao vivo estão na moda por lá.

Quem é o pichador?

“Você não tem como classificar o pichador, porque ele pode ser um médico, um advogado ou um bandido. Não tem classe social nem sexo, homem ou mulher, tem até viado e travesti. O pichador é como um ser humano qualquer, está em todos os lugares. A classe social não atinge: o ISAK, por exemplo, que faleceu, era cheio do dinheiro, mas já é o contrário do ZAK, que era mendigo. Não existe classe social, é como se fosse um dom que você vai se aperfeiçoando. E não é influência do meio, porque eu sempre andei com maconheiro e não fumo maconha”, afirmou SEL, de 39 anos, da sigla Filhos da Rebeldia (FR).

Morador de São Gonçalo, um dos bairros mais pobres da cidade e com alto índice de violência, ele é faixa preta em artes marciais e dá aula para crianças. É casado e tem dois filhos, e picha desde a década de 1990. Diz que o vício se tornou um lazer na sua vida, mas nunca deixou de cumprir com suas obrigações. Gostou da adrenalina após ficar observando os muros, e nunca mais parou. Tem “nome” em vários municípios do Estado, além de ter “espancado” a capital. “Trabalho, tenho minha vida social, meus filhos, vivo para eles. Faço mil e uma coisas além da pichação, mas sempre que eu posso pego uma lata de spray e vou pichar”, disse.

De variadas classes sociais, em sua maioria humilde, estão espalhados por todos os bairros. Muitos são motoristas de táxi, uber ou moto táxis. Vários são “vida loka”, vivem vendendo drogas ou furtando e só querem saber de curtir. Nas reuniões de pichadores é possível notar uma média de 30 anos de idade. Assim como no senso comum da sociedade, é a vontade de rabiscar sem muita razão que predomina. Também prevalece os usuários de drogas, principalmente maconha e álcool, mas alguns não usam nada. Tem crescido a inquietação política nas conversas e paredes, mas o egocentrismo e a competição é o que mais os move. A maioria tem ficha na polícia e já apanhou ou passou por situações de risco.

“Quando começou na década de 70 foi diretamente a política, aí depois veio na década de 80 os punks, roqueiros, que queriam pichar mesmo e as frases eram tipo um bônus para além da pichação. Na década de 90 as frases foram mais esquecidas, e de 2000 para cá a pichação virou modinha. Muita gente hoje em dia quer botar o tal do link ao vivo, postar nas mídias sociais. Na nossa época tinha que ralar pra pichar, não tinha nem internet”, acrescentou.

“Hoje o xarpi tem muito a ver com o ego, o cara quer chegar na reunião e ser reconhecido. Falar que é fulano tal, da sigla tal, família tal e pegou bagulho tal. Fugiu o foco de protesto contra o sistema e agora está mais comercial, mais relacionado ao ego e individual. Fica uma coisa muito restrita”, criticou LONG, de 36 anos, taxista, também pai de família e da FR.

“Com certeza a maior parte dos pichadores é de classe social baixa: na zona sul tem menos pichador que na baixada fluminense. Antigamente tinha muito menos mulheres, mas acho que é até por conta do momento que vivemos de uma era feminista em que as mulheres querem, podem e devem fazer tudo”, afirmou KEL, cujo perfil será traçado mais abaixo.

O que um veterano tem a dizer?

Um dos primeiros famosos com suas escaladas e sequências audaciosas foi JONES, parceiro do VINGA. Começou em 1985 num colégio em Vila Isabel, e diz que o berço dessa manifestação é a grande Tijuca, que agrega vários bairros da zona norte. A escalada veio com a emoção e adrenalina de subir nas coisas: ver o “nome” e o pessoal comentar, diz. Hoje com 43 anos, é formado em Educação Física e Direito, e é policial.

“Muitos da minha geração morreram, foram pro tráfico, assalto, desvirtuaram da pichação. É a porta de entrada para o mundo do crime, assim como a maconha pode ser nas drogas se você não tiver uma boa formação. Nunca fumei nem cheirei, mas mergulhei na pichação porque gostava. Na década de 80 era modismo. As meninas no colégio idolatravam”, diz.

JONES acha que a ousadia continua, mas os locais se tornaram mais acessíveis. Tinha menos polícia, mas a rua era mais perigosa. Final de ditadura, o regime estava em transição e ainda tinha resquícios de repressão, diz. Os mais antigos são de 1979, havia muito rivalidade e briga entre as galeras, o que não tem acontecido tanto. “Voltei a frequentar esse ambiente para reencontrar amigos. Depois veio um churrasco e um grupo de whatsapp, então criamos a CC (Confraria do Charpi) com pichadores e grafiteiros antigos. Botamos uns nomes para reativar um pessoal. Você vê que hoje tem mais de cem cabeças numa quinta-feira”, disse se referindo à reunião de pichadores na Tijuca.

A política nos muros da cidade

De uns cinco anos para cá muitas frases políticas estão aparecendo nos muros. Durante as manifestações de 2013 muitos pichadores estavam envolvidos. BLA, de 35 anos, tem se destacado nessa “modalidade”. Nascido e criado numa comunidade do Méier, zona norte, diz que pichação nasce com a pessoa como se fosse um instinto. Educação é investimento e Quantos professores seriam reajustados com a reforma do Maracanã?, são algumas de suas frases. A que mais gosta é UPP sem projeto social é maquiagem que, segundo ele, espalhou em várias comunidades quando o programa foi implementado. “Reprimiram a bandidagem, mas esqueceram que essas crianças cresceriam. Hoje está mostrando a realidade: a UPP não serviu de porra nenhuma, e a menorzada vai lá na Lagoa mata médico volta e nada muda”, criticou.

“Uma mina me falava: só não entendo sua disposição de subir em lugares tão difíceis e de tão boa visibilidade e escrever uma coisa que ninguém sabe ler. Ela me deu um fuzil! Peguei a fita, trouxe isso em prol da sociedade. Comecei a passar informação que não passa na televisão pelas paredes, resgatei daonde a pichação nasceu durante a ditadura. Só escrevo em lugar com muita circulação, e escrevo porque vejo todo mundo sofrer. Geral sem hospital, sem escola, sem nada. Juntei o útil ao agradável. Isso faz parte da nossa educação, que está um lixo”, criticou o motorista de Uber.

Sua visão ficou ainda mais crítica quando trabalhou numa secretaria da prefeitura retirando viciados em craque no entorno de comunidades. Segundo ele, era tudo maquiagem, foi quando começou “a enxergar como o sistema funciona”. “Educação é a base de tudo, se começar desde cedo a nação vira potência. Fiz uma campanha aos pichadores escreverem fodendo o sistema, e teve uma galera que representou. Um outdoor para botar a propaganda vale milhares, enquanto com uma lata de spray consigo transmitir uma mensagem muito mais forte e pode ficar 10 anos em cima dele. Olha o poder da pichação: comunicação pura!”, disse.

Participação Feminina na Pichação

Apesar de a maioria ser masculina entre os pichadores, algumas mulheres se envolvem na tribo. A KEL, de 28 anos, é a mais conhecida. Moradora da Glória, na zona sul, estudou em colégio de classe média alta, onde começou a se interessar pela pichação. De lá para cá pichou diversos bairros da cidade, inclusive outros municípios do Estado. Escalando lugares que muitos homens não têm coragem. Perdeu dois namorados e uma melhor amiga nesse caminho. Acha que a pichação sempre será uma forma de protesto, embora nem todos coloquem frases nesse sentido.

“Peguei essa vontade pela Naty, que criou a IF (Inferno Feminino), depois conheci o CAIXA através de uma amiga e entrei para VR (Vício Rebelde). Namoramos 3 anos, mas mataram ele pichando em São Gonçalo. Só não fui porque era minha primeira semana na faculdade de moda. Não queria mais isso, mas a pichação já estava muito forte na minha vida”, lembra.

Já com vários amigos, de muitas classes sociais e bairros diferentes, foi respeitada. Começou a ficar com o VUCA, da Ilha do Governador, um dos fundadores da 5*. “Tu pensa que nunca vai acontecer de novo, e o moleque cai da marquise. Essas histórias de morte em xarpi sempre aconteceram: SEIF, CORVO, LEO, etc. Aí você vê que a pessoa pode falhar também”, conta. Foi com ele que despertou seu lado empresarial. Na época existia o Xarpi Rap Festival, evento que reunia pichadores para votarem nos melhores de cada estilo. Os vencedores ganhavam medalhas e latas de spray, e com a cerveja vendida e a entrada a 1 real tiravam um trocado.

“Ninguém conhecia o Filipe Ret, que foi uma das atrações do meu aniversário. O bagulho lotou, então resolvi fazer a XARPI (com mais de 80 mil seguidores no facebook) já que não rolava mais Batalha do Real e eram poucos eventos de rap na cidade. Virou festa de rap e pichação com público feminino, que era raro nesse meio. Chamei grafiteiros e teve Criolo, Racionais, Emicida, Projota, Marechal, etc. Em 2010 a XARPI virou a maior festa de rap do Rio. Se transformou em marca também, hoje vendemos boné e camisa no Brasil inteiro. Lotou o Circo Voador duas vezes”, lembrou.

Por sorte não ficou com nenhuma cicatriz ou ficha criminal, e seus rabiscos ainda são vistos nas ruas. “Sempre tive amigas patricinhas e amigos até na Baixada. ‘Rodei’ várias vezes, mas sempre teve desenrolo. Pichação vai mudando, mas não acaba. Tem métodos de limpar mais rápidos, câmeras, e tem dificultado. Mas estão cada vez mais suicidas, com corda, janelada, etc. É maior guerra de ego, vaidade pura. Hoje não estou nem aí, mas nunca vai sair de mim. Perdi muitos anos me arriscando, e depois de vários prejuízos resolvi ganhar com isso. Transformei uma cultura discriminada em trabalho”, opinou.

Governo paulista versus pichadores

Todos os entrevistados são obviamente críticos ao que está acontecendo em São Paulo. Apesar de o governo carioca também ter ido para a direita com a entrada de um bispo no governo, Marcelo Crivella (PRB), todos acham que essa caça às bruxas não vem para o Rio de Janeiro. A KEL acompanhou o que aconteceu em Belo Horizonte, e chegou a conversar por facebook com uma menina que ficou presa em casa por meses usando tornozeleira eletrônica.

“Como se ela fosse um grande perigo para a sociedade, porque foi pega pichando com uma galera. Aqui no Rio nem sei se vai acontecer. Agora foi São Paulo, que é como se fosse um patrimônio da cidade porque a pichação é uma coisa muito forte. Tem reconhecimento internacional, e muita gente de arte considera arte. Agora entrou essa galera careta no governo de SP, os caras coxinhas máxima, óbvio que eles vão ser contra. A percepção de arte deles é totalmente diferente de quem aprecia a verdadeira arte de rua e entende de arte contemporânea. Vi uma foto do Dória pousando sorridente ao lado de um quadro do Basquiat, na casa dele. Chega a ser engraçada essa ignorância: um dos maiores artistas dessa geração, que ganhou fama pichando muito muro em NY”, criticou.

Ela defende que o governo é tão mal exemplo, que desde pequenos todos vêem injustiças e os muros acabam sendo uma forma de expressar essa rebeldia e mostrar a discordância com tudo o que está acontecendo. “Por mais que hoje em dia as pichações tenham muito menos teor político que na época dos nossos pais, que foram criados na ditadura, acho que toda pichação por trás tem um lado político. Mesmo que não tenha uma frase escrita”, complementou.

“Se eles tentarem apagar, os pichadores vão reagir e querer fazer um monte de coisa. É uma mistura de rebeldia com arte, é um jeito de a gente mostrar ao governo que não estamos nem aí para ele”, disse o SEL.

Não há dúvida que a ação do Estado é mais condescendente com o graffiti do que com a pichação, pontua o professor Paulo Knauss. Além disso, sua criação é mais demorada enquanto a pichação tem uma marca marginal, que caracteriza o processo criativo sem consentimento. “O graffiti pode ser absorvido pelo mercado de arte, enquanto a pichação não encontra essa possibilidade de aceitação social”, explica.

Para ele, uma ação do Estado de promoção ou repressão precisa levar em conta que estas são manifestações de um quadro de vida social amplo e complexo do mundo contemporâneo. “Se associa à afirmação da juventude como agente da sociedade, que se distingue do movimento engajado e ideologicamente orientado de 1968. Passa por sensibilidades originais, que afirmam territorialidades alternativas na cidade, fruto de modos de vida e horizontes de expectativas que não refletem os padrões institucionalizados”, conclui.

“Não tem como fazer um museu da pichação, se o sistema eternizasse dessa forma como fazem com o mural de grafite seria legalizar. Só que a pichação é a parada mais rebelde, tem que ser totalmente contra o sistema. Não tem como o sistema abraçar a pichação”, disse o grafiteiro ACME, que é um dos mais conhecidos na cidade pela sua arte.

Para ele, o que está ocorrendo em São Paulo é uma jogada para a prefeitura lavar dinheiro. “Apagou tudo e agora vai contratar uma nova galera para enquadrar as ideias e os temas da rapaziada. Vão fazer um movimento na cena, mas tem uma galera fazendo resistência. Eles lavam dinheiro nessas produções, porque o maluco vai botar um preço super alto contratando produtor, grafiteiro e a galera vai acabar se rendendo por causa de tinta e material para trabalhar. Quem é da rua mesmo e está na resistência não vai querer pintar não, vai bombardear aquela porra toda”, criticou o grafiteiro.

(*) A reportagem utilizou os codinomes dos entrevistados para apresentá-los.

Edição: Fazendo Media