Nove mil soldados do Exército e da Marinha estão nas ruas do Rio para conter possíveis protestos durante a votação da proposta de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) e garantir a segurança dos foliões do carnaval. Essas foram as duas justificativas apresentadas pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) ao solicitar a presenças das Forças Armadas para fazer o patrulhamento ostensivo nas ruas. Nesta segunda-feira (20), a privatização entra na pauta para ser votada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Movimentos populares convocaram um grande protesto para pressionar os deputados a rejeitarem a proposta do governo.
Para o antropólogo, Lenin Pires, coordenador do curso de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), a privatização da Cedae é o principal motivo do envio das tropas federais. “As Forças Armadas serão as guardiãs das propostas impopulares. Querem garantir essa transação econômica imoral, que é a venda da Cedae. Se levar em conta que 80% do corpo humano é composto por água vamos perceber que a privatização da distribuição da água é a privatização da vida”, analisa o pesquisador.
Para Lenin, a chegada do exército está atrelada também ao cenário político do país. “O Brasil vive uma de suas maiores instabilidade políticas desde a década de 80. O governo tem medo que a população deixe de respeitar as instituições em um momento de total descrédito. E por que ele quer vender a Cedae? Simplesmente porque é a empresa mais rentável do estado. Esse é o negócio da vez”, aponta o professor.
Desde o ano passado, servidores públicos, movimentos populares e funcionários da Cedae realizaram diversos protestos contra a venda da empresa e o chamado “pacote de maldades” do governo Pezão. E esse ano as manifestações se intensificaram. Junto com os protestos a repressão policial aumentou na mesma proporção. Nos últimos atos, o centro do Rio ficou sitiado, praticamente um palco de guerra, com carros blindados contra a população, armas não letais e até o uso de pistolas por parte de alguns policiais.
No entanto, o cenário foi alterado com o movimento grevista dos policiais militares. Desde a semana passada, pelo menos 10 dos 42 batalhões da PM estão paralisados pelas esposas dos policiais. Outros 20 estão funcionando de forma parcial. A informação é do movimento de mulheres que ocupa as entradas dos batalhões. Além disso, 90% das delegacias da polícia civil do Rio de Janeiro estão em greve desde o dia 20 de janeiro, atendendo apenas a casos emergenciais.
“O governo estadual e o governo federal estão com medo do povo. A Alerj está cercada pelas forças do governo, enquanto suas galerias na verdade deveriam estar lotadas pela população”, afirma o deputado Paulo Ramos (PSOL), membro da Comissão de Segurança Pública da Alerj.
O governo estadual, insiste que a greve dos PMs é um fracasso e que 95% do policiamento está nas ruas. Apesar disso, solicitou a presença do Exército e da Marinha para o governo Temer. Porém, o uso das Forças Armadas nessa situação é questionada por juristas e defensores de direitos humanos.
“O exército só pode ser acionado para combater um conflito e em caso de desordem pública. A Constituição é clara. Os fuzileiros não tem formação para atuar na segurança pública. O que estamos vendo é desvio de função (considerado crime). Regulado por decreto presidencial, como faziam na ditadura”, diz a advogada Nadine Borges, coordenadora de Relações Externas da UFRJ. Nadine Borges atuou na Comissão da Verdade do Rio.
A advogada afirma que essa também é uma forma de intimidar a população. “Essa é uma forma de gerir o medo. O governo quer proteger a Alerj e não os trabalhadores que estão sendo vítimas de uma gestão criminosa”, conclui.
O jornalista e político, Cid Benjamin, que lutou contra a ditadura militar no passado, também destaca os perigos de ter as Forças Armadas atuando nas ruas em um momento de instabilidade política. “O Exército e a polícia tem em comum o uso da farda e de armas. Mas as semelhanças param por aí. O Exército é treinado para combater forças militares inimigas. Tem alto poder de letalidade. Já a PM recebe treinamento para proteger a população. Filosofias e modo de atuação diferentes”, aponta Cid Benjamin. Ele destaca ainda que esse tipo de atuação das Forças Armadas tem causado constrangimento inclusive dentro da corporação.
“Na Olimpíada, quando o Exército também foi convocado para atuar no Rio de Janeiro, alguns generais deram declarações onde já demonstravam certo desconforto nesse tipo de atuação. Eles sabem que esse não é o papel das Forças Amadas. Que podem até apoiar a polícia, mas nunca substituí-la”.
Segundo decreto assinado pelo presidente Michel Temer, as tropas do Exército e da Marinha ficam até 2 de março no Rio de Janeiro. Os militares estão patrulhando a zona sul e o centro da capital, vias expressas como a Transolímpica e a Avenida Brasil além de algumas áreas em Niterói e São Gonçalo.
Homem foi morto por fuzileiros
No segundo dia com a presença de militares patrulhando as ruas do Rio de Janeiro, um homem foi morto após ser alvejado durante uma tentativa de assalto.
De acordo com o Ministério da Defesa, ele tentava roubar uma moto nas proximidades da rodoviária Novo Rio, na zona portuária da capital e como portava uma arma foi alvejado por um dos fuzileiros navais que atuavam na Avenida Brasil.
Como o tiro foi desferido por um integrante das Forças Armadas, o ocorrido será investigado pela Justiça Militar.
Edição: Vivian Virissimo