Há no mundo contemporâneo grandes e vários tipos de manifestações populares, que ocupam espaços públicos levando inscrições e pronunciamentos em coro. A convocação de grupos e pessoas com os mesmos ideais tornou-se fácil com o aparecimento da Internet e da telefonia móvel. Um exemplo desses tipos de mobilizações foram os chamados “rolezinhos”, reuniões de jovens em shopping center, ocorridos em 2014, nas grandes cidades brasileiras. Os principais tipos de manifestações são de cunho político, religioso, esportivo e social.
O que me motivou a escrever esta resenha foi o comportamento do atual presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Em 2016, ele disse que matava com as próprias mãos pessoas suspeitas de crime. Com a ajuda e apoio de populares, mandou matar cerca de cinco mil pessoas, envolvidas em tráfico e consumo de drogas, desde o início de seu mandato como presidente.
Para Ortega Y Gasset, o homem-massa é uma forma de ver o mundo. Ele apresenta o século XX como a era do homem-massa, isto é, previamente esvaziado de sua própria história, sem entranha de passado e, desta forma, dócil com seus exploradores, com seus novos opressores. O homem-massa só tem desejo; pensa que só tem direito e não acha que tem obrigações. É um sujeito sem obrigações de nobreza. Ortega y Gasset só viveu até a primeira metade do século XX, mas foi capaz de antever o que seria a atualidade e o grau de mediocridade a que chegou o homem-massa. Este só participa de manifestações em causa própria, movido a estímulos externos, como bonecão de bloco carnavalesco. Recebe estímulos à pratica de atos violentos e expressões de ódio e preconceitos.
O homem-massa fustiga seus apetites que, em princípio, podem crescer indefinidamente, não se preocupando com nada além de seu bem-estar. Para satisfazer seus apetites, o indivíduo contemporâneo passa por cima de qualquer valor ou limite, como a carta deixada por Sidnei Ramis de Araújo, ao matar onze familiares e se suicidar, na noite de 31 de dezembro de 2016, em Campinas. Ele banaliza a morte dos outros e diz que morria por justiça. Considera que a ex-mulher era uma vadia protegida pela Justiça. Diz que a ex-presidente Dilma também é uma vadia por ter sancionado a Lei Maria da Penha. Percebe-se nas palavras de Sidnei a intolerância aos limites.
O homem-massa se considera no direito de ser vulgar. Não dá razão aos outros, mas se mostra decidido a dar sua opinião a todo instante e em qualquer lugar que se encontre. Impossibilitado de formar idéias concretas e razoáveis, apela para a violência como forma de solução. É comum ouvir-se pronunciamentos como: “Se matássemos todos os gays, o problema da AIDS estaria resolvido”. Sobre o controle da natalidade, propõe esterilizar coercitivamente todas as mulheres pobres.
Bruno Júlio, filho do deputado Cabo Júlio MG, foi nomeado pelo presidente Temer ao cargo de secretário nacional da juventude com um salário mensal de R$ 14 mil reais, mesmo sabendo que ele era acusado de assédio sexual a uma jovem e de ter tentado matar sua ex-mulher, porque esta não queria mais o relacionamento. Em janeiro de 2017, no momento em que ocorriam as chacinas nas penitenciárias do Norte do Brasil, o secretário Bruno Júlio disse: “Tinha era que matar mais; fazer uma chacina por semana”. Continuando a conversa com jornalista de “O Globo”, ele arremata: “Eu sou meio coxinha sobre isso, pois sou filho de policial”. É, portanto, a autêntica expressão da vulgaridade.
O homem-massa jamais teria apelado para qualquer coisa fora dele se a circunstância não o tivesse forçado violentamente a isso. A massa é confusa em seus propósitos e não sabe agir criticamente, dependendo sempre de autoridades externas que lhe dêem diretrizes, movidas pelo sentimento de ódio; pela maledicência; calúnias e falsidades. Para silenciar as vozes que contestam as asneiras do homem-massa, este reivindica a volta da ditadura.
O homem-massa não conhece a civilização em que nasceu e que nela vive. Com a ignorância, falta de conhecimento histórico e o baixo nível cultural do cidadão contemporâneo, ele não está à altura de resolver os problemas atuais. Os trabalhadores estão voltando ao status de escravo; as conquistas das mulheres estão sendo rechaçadas com assassinatos e agressões dolorosas; as penitenciárias não comportam tamanho volume de prisioneiros que se digladiam entre si; as crianças estão sendo educadas para serem autômatos, individualistas e narcisistas. Tudo isso redunda em destruição da civilização.
*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
Referência:
ORTEGA Y GASSET, José. (1883-1955). A rebelião das massas. [1930]. Tradução de Marylene Pinto Michel. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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