Uma pesquisa da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos mostra que a grilagem de terras por fundos de pensão estrangeiros tem sido uma prática na região conhecida como Matopiba, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
O estudo aponta que muitas destas terras são apropriadas por meio do cercamento de uma área que não possui títulos de propriedade, chamadas terras devolutas, ou seja, terras que pertencem ao Estado. “Esse é o impacto mais profundo e violento que a especulação com terras agrícolas vem promovendo. Nossa pesquisa revela que a especulação com a terra como ativo financeiro fomenta a grilagem em regiões de predominância de comunidades camponesas”, diz um trecho da pesquisa.
Essas terras acabaram virando nos últimos anos alvo de especulação para valorização de ativos financeiros de fundos de pensão estrangeiros, como mostra a reportagem anterior do Brasil de Fato sobre o tema.
Para transformar terras devolutas em fazendas, o processo mais comum é por meio da grilagem, método ilegal que utiliza de documentos falsos para forjar a titularidade e reivindicar a posse sobre a propriedade. Segundo Fábio Pitta, Pós-doutorando em Geografia Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, “muitas dessas empresas estrangeiras podem inclusive negociar diretamente com esses grileiros”.
Entre os anos de 2011 e 2013, dentre as 13 fazendas compradas pela Tellus – empresa criada pelo TIAA-CRE, fundo de pensão privado criado para gerir as economias de professores universitários dos Estados Unidos -, estão as fazendas Ludmila e Laranjeiras, no município de Santa Filomena, Piauí e as fazendas Sagitário e Marimbondo, na cidade de Balsas e Alto Parnaíba, no Maranhão.
Segundo a pesquisa, estas áreas no Piauí e Maranhão estavam em locais de Chapada, “onde só haviam terras devolutas”, e revela “casos de expropriação violenta em áreas onde surgiram novas fazendas, algumas recentemente adquiridas pela Radar S/A e pela Tellus S/A. Essas fazendas foram negociadas através de uma figura conhecida como ‘O Maior Grileiro de Terras da Região’ do sul do Maranhão e do Piauí”.
A pesquisa ainda informa que a Fazenda Sagitário, adquirida pela Tellus S/A, está localizada em uma área devoluta. Foi nessa área que a empresa Colonizadora De Carli (Codeca) iniciou a monocultura da soja na década de 1990. A empresa pertence ao “‘Maior Grileiro da Região’ e parte integrante de seu Grupo Empresarial De Carli”.
Para Maurício Correia, da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR) da Bahia, “não se faz expansão da fronteira agrícola na legalidade”. Segundo ele, pesquisadores como o professor Ariovaldo Umbelino, chefe do Departamento de Geografia da USP, apontam que 80% do oeste baiano, região que integra o Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA-Matopiba), é composto por terras devolutas.
Formas de grilagem
Correia explica que os grileiros compõe pequenas posses de terras registradas em cartório das pessoas locais, acumulam uma boa quantidade dessas posses e depois as reune numa só matrícula para que sejam registradas nos cartórios como suas propriedades. O esquema, por exemplo, junta três a quatro posses que equivaleriam a 100 hectares, mas durante o registro esse número se transformaria em 10 mil hectares, conta o advogado.
Outro método utilizado, ainda segundo Correia, é a compra da terra dos filhos que herdam a posse após o falecimento dos pais. Os herdeiros dão entrada para realizar o inventário, fazendo o registro da posse pelo juiz. Os filhos então, não interessados mais na terra, vendem a área de 100 hectares, por exemplo. Porém, o grileiro, junto ao cartório, registra uma área muito maior, ou senão, faz o registro de uma área e na prática cerca outra, para depois entrar com uma ação solicitando retificação judicial. Isso permite com ele aumente a expansão daquela área para 5 mil ou até 50 mil hectares.
O advogado da AATR cita vários casos de grilagem de terras na região do oeste da Bahia. Um deles é referente a matrícula 2280 feita no cartório Santa Maria da Vitória. Ele informa que um casal de advogados atuava na região a mais de 30 anos e verificou que a quantidade de terras correspondia a uma área de mais de 150 mil hectares distribuídos em diferentes municípios da região, utilizando-se o método de grilagem descrito por Correia.
Outro caso citado por ele é da Fazenda Campo Largo, localizada na divisa entre os municípios de Mansidão, Cotegipe e Barra. Ele conta que a fazenda teria uma extensão de 130 mil hectares. A Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) fez uma mediação dessa área e, por meio de uma ação discriminatória, “constatou que a área foi grilada”. “E qual o elemento interessante nesse caso? O dono dessa área, o que se diz dono, protagonista dessa grilagem, é a Caracol Aguiar, e a controladora dessa empresa é um Fundo de pensão dos professores universitários da Universidade de Harvard nos EUA”, relata.
Correia pontua que os vários casos existentes na região do oeste da Bahia reafirmam que estas terras estão sendo cobiçadas e que existe uma corrida para garantir a consolidação de latifúndios, mesmo sendo um espaço que não apresenta infraestrutura para o agronegócio. Contudo, a corrida é fomentada pela simples menção de que o plano de desenvolvimento do Matopiba irá levar projetos de infraestrutura, e isso entra no “cálculo de quem está fazendo esse tipo de grilagem”, destaca.
Esses territórios, porém, não são espaços vazios. Há décadas vivem neles populações tradicionais. O Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (Gite) informa que existem 28 terras indígenas, 42 unidades de conservação ambiental, 865 assentamentos rurais e 34 territórios quilombolas; comunidades que estão sendo retiradas de seus territórios de onde produziam alimentos para a sua subsistência para dá lugar a plantações industriais destinadas à exportação.
A grilagem de terras no país não é algo novo, mas a participação de fundos de pensões estrangeiros e a especulação nas terras do Matopiba vem fomentando esse processo ilegal e colabora para perpetuar os inúmeros casos de ameaças de morte, assassinatos e a expropriação de famílias de agricultores rurais de suas terras. Os coronéis agora possuem CNPJ e razão social.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque.
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