O aposentado João Batista, 66 anos, enfrentou duas horas de fila, na manhã deste sábado (4), para dar o último adeus à ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no centro de São Bernardo do Campo (SP). O filho Rafael, 24 anos, foi quem incentivou o pai a sair da cidade vizinha de Santo André para prestar a homenagem. Cerca de 20 mil pessoas passaram pelo velório para homenagear Marisa, informou o sindicato.
Na década de 1980, Batista trabalhava na fábrica da Volkswagen e participou das grandes paralisações e greves da categoria na região do ABC. Ele lembra, especialmente, da marcha das mulheres organizada pela ex-primeira-dama. "Na época, todos nós éramos novinhos e ela enfrentou todo esse movimento em um momento em que os metalúrgicos estavam todos presos", lembra.
Batista conta que foi o próprio Lula que assinou a carteirinha de sindicalização dele em 1977. Ele lembra do casal nas festas de confraternização de final de ano do sindicato. "Ela era uma trabalhadora, militante política, uma mulher séria que cuidava como ninguém da família. Eles eram um exemplo para nós. Lula e Marisa eram, para a gente, o casal brasileiro. Não é só política", adicionou.
O filho Rafael, que é supervisor de uma rede de farmácia, conta que sempre acompanhou as lutas do pai e queria estar presente no velório para se solidarizar em um momento de dor e de acusações. "E hoje estou aqui para me solidarizar porque acho que ele representa nossa classe dos pobres. E a nossa responsabilidade, como jovens, é muito grande em manter as conquistas que eles possibilitaram", declarou.
Assim como eles, muitas pessoas vieram de outras localidades para se despedir da ex-primeira-dama. Os irmãos Hermógenes Saviane, 50 anos, e Gisele Saviane, 43 anos, acordaram cedo para sair da zona leste de São Paulo. Filhos de um metalúrgico, eles prestaram solidariedade ao ex-presidente. "Um presidente que conseguiu minimamente melhorar as condições deste país para minorias desprivilegiada, marginalizadas e discriminadas", disse a veterinária e professora de rede de ensino municipal.
Ela afirmou que, em um momento de acirramento da polarização política, as pessoas perderam a empatia e a compaixão ao próximo. Ela se refere aos episódios de comentários comemorando a morte de Dona Marisa, como é carinhosamente chamada, em alguns portais de notícia e de protestos que ocorreram, mesmo que em pequena escala, em frente ao Hospital Sírio-Libanês, onde ela esteve internada por dez dias.
"Eu acho que estamos vivendo um momento complicado, não só aqui, mas como no mundo inteiro a direita está crescendo muito. E o que eu acho pior é que até médicos estão envolvidos neste absurdo", disse. A médica reumatologista Gabriela Munhoz, 31 anos, compartilhou no WhatsApp informações sigilosas do diagnóstico de dona Marisa horas depois da internação. A profissional foi demitida pelo Hospital Sírio-Libanês na quinta-feira.
A jornalista Bete Portugal, 62 anos, mora no bairro de Perdizes, zona oeste da capital paulista. "Vim fazer minha homenagem a ela que foi uma super mulher, uma companheira que nos ensinou muito sobre a luta e o companheirismo, sobre o amor e as batalhas", disse.
Bete conheceu a Dona Marisa em 1981 no movimento de formação do PT, quando a jornalista militava na base do Sindicato dos Jornalistas de Porto Alegre. "De lá para cá, venho acompanhando a trajetória política da família", continuou.
Já o professor universitário Francisco Hernandes, 48 anos, saiu de Campinas, cidade do interior do estado, a 120km da capital paulista. Filiado do PT, ele lembra do simbolismo da primeira bandeira do partido ter sido confeccionada por Marisa. "É um momento trágico e temos que dar apoio ao Lula. Isso também se trata de um momento político. Eu tenho a interpretação de que essa morte também está associada a um processo de golpe de estado", disse.
Colega de Francisco, o professor Agnaldo Santos, 44 anos, acredita que a mobilização das pessoas para saudar a ex-primeira-dama ganha contornos de " desagravo em relação ao processo de fascistização" no Brasil. "Médicos terem vazado exames dela no hospital é uma coisa que me preocupa muito. O mínimo que podemos fazer é participar desse processo de dor da família e prestigiar a memória dela", pontuou.
Autoridades
Mais cedo, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lembrou as perseguições que Marisa enfrentou no último período. "Eu estou engasgado. O que essa família sofreu foi uma perseguição infame. O Jornal Nacional durante 14 horas nos últimos 8 meses, falando de pedalinho, divulgação de conversa privada, foi uma pressão imensa em cima dela. Pra mim, não é um exagero quando dizem que mataram dona Marisa. Pra mim, mataram dona Marisa. Era uma tensão uma tentativa de massacre dela e da família, dos filhos. Não foi humano o que foi feito", criticou.
Além do senador petista, outros políticos e autoridades estiveram presentes no velório, como os governadores de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT); e do Rio de Janeiro, Pezão (PMDB); além dos deputados federais do PSOL Ivan Valente e Luiza Erundina. Dilma Rousseff, que antecipou a volta de uma viagem à Europa, também esteve presente para consolar o padrinho político. Dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro e João Pedro Stedile, também compareceram ao velório.
Cerimônia
Por volta das 14h30 da tarde, uma cerimônia ecumênica conduzida por Dom Angélico foi realizada com lideranças religiosas de diversas vertentes. Com uma coroa de flores de Lula que dizia "Minha galega, agora o céu ganha uma estrela que iluminou a minha vida", o caixão com as bandeiras do Brasil e do PT foi fechado sob aplausos e com os presentes entoando "Marisa, guerreira da pátria brasileira".
Em discurso de agradecimento, o ex-presidente se emocionou diversas vezes. "“Eu tenho 71 anos, não sei quando Deus vai me levar, mas quero viver muito porque eu quero que os facínoras que levantaram leviandades contra a Marisa peçam desculpas a ela. Eu digo todo o dia: se alguém tem medo, este, que está enterrando a sua mulher hoje, não tem. Tenho a consciência tranquila", disse.
"Quem ama é imortal, quem ama não morre jamais", foram as palavras que os presentes repetiram em voz alta após o pedido de Padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua. Após a cerimônia, os familiares e amigos seguiram para o cemitério Jardim das Colinas, onde o corpo de Marisa será cremado no fim da tarde.
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