Criminalização, intolerância política, provas inconsistentes. Doze mil denúncias contra professores da rede pública foram protocoladas no Paraná desde o início do movimento de ocupações de escolas, em outubro deste ano. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) acompanha os casos e oferece atendimento jurídico aos profissionais que foram intimados. No auge das mobilizações, 831 escolas foram ocupadas pelos estudantes paranaenses em protesto contra a Medida Provisória 746, que propõe a reforma do ensino médio. A Defensoria Pública e o Ministério Público se comprometeram a trabalhar para que não haja perseguição e retaliação contra os professores que apoiaram o movimento.
"Tratam como se nós fôssemos criminosos", diz professor de Cascavel
Segundo o secretário de Assuntos Jurídicos da APP, Mário Sérgio Ferreira de Souza, o volume de denúncias reflete o cenário de intolerância política do país: “Muitas delas são fruto da perseguição política, do denuncismo, da intolerância e do espírito de vingança”, analisa. “Acontece que Ministério Público acaba fazendo um pré-julgamento, desde a sua concepção ideológica de sociedade. Em vez de buscar um fundamento jurídico nas acusações, se baseiam em um fundamento político”.
Em outubro, a estudante Ana Júlia Ribeiro foi convidada para discursar na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e rebateu a crítica de que os jovens que ocuparam suas escolas estavam sendo “doutrinados” pelos professores: “É um insulto para nós que estamos lá nos dedicando, procurando motivações todos os dias, sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes e aos professores”, criticou. “Sabemos pelo que estamos lutando. É um movimento dos estudantes pelos estudantes”.
As acusações contra os servidores públicos foram recebidas por dezenas de promotorias públicas, nas comarcas do interior do estado, e pelas ouvidorias dos 32 Núcleos Regionais de Educação (NRE). Do total de denúncias, cerca de 10 mil chegaram à Secretaria de Estado da Educação (SEED) pelas mãos de estudantes, diretores de escolas, pais de alunos, chefes dos Núcleos e professores, contra seus colegas. A maioria das acusações é anônima. A Secretaria fez a primeira análise dos casos, deu encaminhamento a centenas de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) e abriu sindicância em pelo menos três mil casos.
Após reunião com representantes da APP na semana passada, o Ministério Público do Paraná (MPPR) se comprometeu a pautar uma reunião com o governo estadual sobre o tema: “A nossa preocupação é que não tenhamos rusgas e dificuldades nesse relacionamento, porque isso evidentemente trará prejuízos aos estudantes”, sugere o procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia. O advogado do sindicato concorda com o posicionamento do MPPR e espera que o Estado tome providências para coibir as perseguições: “Os chefes do Ministério Público estão sugerindo que só se abra processo quando há prova de danos materiais, para sair dessa questão da ideologia, da subjetividade”, acrescenta. “Os professores não podem ser culpados por estarem na escola em um momento de ocupação. O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] mesmo diz que é obrigação dos professores, dos adultos, proteger esses estudantes”.
“Estado institucionalizou a perseguição”
Igor de Jesus Dias e Rodrigo Guidini Sonn, de Ponta Grossa, estão na lista de professores processados. “Sou réu em um processo em que o Estado do Paraná me acusa de coisas com base em uma postagem no Facebook”, afirma Igor, que dá aulas de Filosofia no Centro Estadual de Educação Profissional de Ponta Grossa (CEEPG). As “provas” levantadas contra eles são compartilhamentos de postagens da página Ocupa Paraná que criticavam o governador Beto Richa (PSDB) e manifestavam apoio ao movimento de ocupação. “Nós e outros professores sofremos perseguição desde o ano passado. Já fizemos denúncias e nada aconteceu. E agora o Estado institucionalizou a perseguição”, acusa o professor.
Embora a APP ofereça atendimento jurídico a todos os profissionais sindicalizados, os dois professores de Ponta Grossa procuraram um escritório particular para defendê-los. “Dois oficiais de justiça vieram na escola, me chamaram na sala de aula para entregar o processo. Meus colegas e meus alunos viram tudo”, lembra o professor de Filosofia. “Eu tinha entre dez e quinze dias para apresentar uma defesa, por isso decidimos procurar uma advogada. Agora, estamos esperando”. O processo está nas mãos na juíza Luciana Virmond Cesar, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ponta Grossa.
Em reportagem publicada na semana passada, o Brasil de Fato ouviu o posicionamento dos NREs sobre as acusações contra professores da rede pública do Paraná. Conforme foi explicitado pela chefe do NRE de Cascavel, Inês Dalavecchia, é papel das ouvidorias encaminhar as denúncias para a Secretaria e chamar cada um dos citados para apresentar sua defesa. Mesmo assim, a Defensoria Pública do Paraná enviou à SEED um requerimento para “que eventuais servidores e professores que acompanharam estudantes secundaristas durante as ocupações não sejam penalizados disciplinarmente ou sofram represálias apenas pela circunstância de terem manifestado apoio aos estudantes”. O documento foi assinado pelos defensores públicos Ricardo Menezes da Silva e Camille Vieira da Costa e recebido pela Secretaria no dia 13 de dezembro.
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