Dialética é palavra criada na Grécia Antiga para nomear o caminho percorrido pelas idéias, ou seja, um processo de discussão sobre as idéias. Na concepção moderna, dialética é o modo de pensarmos as contradições da realidade, ou seja, o modo de ver a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. Dialética é diferente do método causal, no qual se estabelece relações de causas e efeitos. A dialética é a história das contradições. Entende-se por contradição, o estado de coisa que se coloca numa situação conflitante aos mecanismos produtivos e as relações de produção.
Contradição é, portanto, o que se opõe ao que foi feito e determinado anteriormente. Um exemplo claro de contradição social histórica foi exposto por Clovis Moura em “Rebeliões da Senzala” (2014), no qual demonstra que a abolição da escravatura em 1888, não se consumou pela vontade da elite dominante, mas pelas lutas travadas pelos escravos. O racismo ou a concepção preconceituosa de que o negro era um ser inferior ao branco é que dava sustentação ao regime de escravidão. Como os herdeiros da elite escravista continuaram no poder até hoje, a marginalização e o preconceito contra os negros e brancos pobres continuou.
Mas antes de chegar ao atual conceito de dialética ele passou por muitas formas diferentes de emprego do termo. Conforme amplo estudo de Leandro Konder (1985). Entre os pensadores antigos, o mais contundente foi Heráclito de Efeso que viveu a cerca de 500 anos antes de Cristo. Para ele, desde o nascimento até a morte, todos os seres vivos passam por realidades que se transformam umas nas outras. Todas as coisas, situações e pessoas estão em permanentes transformações. Diz ele: Um homem não banho duas vezes em um mesmo rio, pois da segunda vez, não será o mesmo homem e nem o mesmo rio. Os pensadores metafísicos como Parmênides reagiram à posição de Heráclito, argumentando que as coisas são imutáveis e que o que muda é só a superfície ou as aparências. É certo que no decorrer da história a posição conservadora de Parmênides prevaleceu. Na idade Média, por exemplo, a sociedade feudal era estática e não permitia mudança social. Qualquer mudança poderia redundar em quebra dos privilégios da nobreza e do clero. Até a idéia de universo era estática. A terra era uma chapa imóvel, que não passava por transformações. No século XVI Copérnico (1473-1543) descobriu que a terra não era o centro do universo e que girava em torno do sol. No campo da evolução social, outros pensadores tiveram uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações. Kant (1724-1804) observa que a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenientes do mundo exterior, sendo a consciência de um ser que interfere ativamente na realidade. Outro pensador que se ocupou da dialética como forma de concepção da realidade foi Hegel (1770-1831), tendo visto o trabalho como mola que impulsiona o desenvolvimento humano. Superar pelo trabalho tem por caminho três palavras chaves: negar ou anular; erguer pra proteger; elevar a qualidade. No trabalho a matéria prima é negada, conservada e elevada. É o que se pode exemplificar na fabricação do pão, na qual o trigo é triturado (negado). Em seguida é melhorado com mistura de outras substâncias (erguido). Finalmente é dado um trato na massa e elevado à condição de alimento e mercadoria, enriquecida com o trabalho humano.
Mas diferente de Hegel, Marx via no trabalho, que em vez de servir para o ser humano realizar-se, servia para aliená-lo. Numa coisa Marx estava de acordo com Hegel: A visão total é necessária para enxergar, e encaminhar uma solução a um problema. Hegel dizia que a verdade é o todo. Que se não enxergamos o todo, podemos atribuir valores exagerados a verdades limitadas, prejudicando a compreensão de uma verdade geral. Essa visão é sempre provisória, nunca alcança uma etapa definitiva e acabada, caso contrário a dialética estaria negando a si própria. (KONDER, 1985). A teoria dialética alerta e identifica as contradições concretas que constituem o tecido de cada totalidade
E agora?
O método dialético nos incita a revermos o passado, à luz do que está acontecendo no presente. Para entendermos o quadro político instaurado após a deposição da presidente Dilma e a instauração do governo Temer precisaram ver o que ocorre no mundo, no momento atual. Adorno e Horkheimer (1947) demonstram a maior e a mais profunda contradição dos tempos modernos, de que o contínuo progresso científico e tecnológico representou o domínio do homem sobre a natureza, mas se desvirtuou por completo ao ser utilizado para ampliar a dominação do homem sobre o próprio homem.
Como em longínquos tempos, o empresariado é movido pela ambição crescente de lucro. O trabalho humano foi sempre considerado o maior peso no custo da produção. Daí a tendência a lesar trabalhadores em seus direitos; usar a força política e o poder de coação para impedir remuneração justa à mão de obra. O chamado neoliberalismo, que surgiu no final do século passado, passou a ser uma escola que ministra estratégias no sentido de substituir e desvalorizar o trabalho humano com: equipes de trabalhadores anônimos; salários flexíveis; trabalhos polivalentes; terceirização; trabalhos “autônomos”; trabalho digital e trabalho on-line. Para não ficar desempregado o trabalhador se rende a essas formas escravistas.
As políticas sociais que vinham sendo praticadas no ocidente após a Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, referendadas pela Constituição de 1988 passaram a ser vistas como obstáculos a uma contínua e alta lucratividade em todos os setores da economia. Na América Latina, todos os governantes apoiadores de tais políticas sociais sofreram pressão para deixar o poder, como em Honduras, Paraguai, Brasil e Venezuela. Nesta última, Nicolas, embora maduro, ainda não caiu. Toda vez que as classes assalariadas elegem chefes do poder executivo, a democracia é atacada pela classe proprietária. A grande contradição é que a democracia é conquistada com sacrifico de muitos, mas quem dela passa a se beneficiar são as elites detentoras dos capitais econômicos e intelectuais. A democracia passa a garantir o retrocesso e a negar o progresso humano.
*Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS
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