Foi aprovado há pouco em uma Comissão Especial Câmara Federal o parecer favorável ao texto-base da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que institui o Novo Regime Fiscal, com teto de gastos para o governo federal.
Apesar de intensos protestos de parlamentares da oposição e segmentos populares, a votação resultou num placar de 23 votos favoráveis e sete contrários. Neste momento, os deputados ainda analisam emendas. A matéria segue agora para consulta em plenário, com previsão de votação para a próxima segunda-feira (10).
O parecer foi apresentado pelo relator, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que já vinha reforçando o discurso do Planalto pela aprovação da medida, com auxílio da tropa de choque do governo.
“O país está doente e precisamos desse modelo pra sair da crise”, argumentou o líder do PSD, Rogério Rosso (DF). Mas a proposta continua circundada de críticas por parte de deputados da oposição e diversas entidades, que projetam grandes reduções nos investimentos em saúde, educação, assistência social e Previdência nos próximos 20 anos, prazo de vigência da medida.
“Lamento que a Casa passe pela vergonha de aprovar algo tão flagrantemente inconstitucional”, bradou o líder da Rede, Alessandro Molon (RJ). Os demais partidos de oposição – PT, PC do B, PSOL – e expoentes do PDT também continuam demonstrando reprovação pela medida.
“Isso terá um efeito avassalador na vida do povo brasileiro. Nós vamos iniciar um verdadeiro retrocesso civilizacional”, disse a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos (PE).
O deputado Patrus Ananias (PT-MG) reforçou a crítica: “Essa PEC tem implicações constitucionais, jurídicas e também sobre a rede de proteção social e as políticas públicas. É um impacto na própria soberania brasileira e terá reflexos na segurança nacional também, porque vai congelar gastos com o desenvolvimento científico e tecnológico, colocando-nos em uma posição subalterna diante das outras nações”, disse o petista.
Os dois chegaram a apresentar requerimentos solicitando o adiamento da discussão por quatro ou cinco sessões, mas foram vencidos pela bancada governista.
Divergências
A PEC 241 está imersa num conflito de narrativas. Enquanto a bancada governista sustenta que a medida seria relevante para gerar emprego e aquecer a economia, parlamentares da oposição acusam o governo de promover uma armadilha retórica para criar o ambiente de aceitação da proposta.
“Eles fazem um discurso que colide com a verdade. (…) Essa PEC, na verdade, não vai nem congelar os gastos. É pior do que isso: vai causar uma involução nos investimentos”, apontou a deputada Erika Kokay (PT-DF).
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) ressaltou a questão de classe social presente na proposta. “Foi dito aqui por um colega que a PEC é um ‘remédio amargo’. É remédio amargo pros outros, pra quem não pode pagar saúde nem educação privadas, por exemplo. Mas dar remédio amargo pros outros é fácil. Eu quero ver é tomar remédio amargo”, disse o líder da Rede, destacando que a PEC vai proibir as correções anuais nos gastos sociais.
“Eles estão vendendo uma situação absolutamente irreal”, bradou a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG).
Já Henrique Fontana (PT-SP) destacou a necessidade de um ajuste fiscal voltado para outros setores da economia. “Por que Temer e Meireles não propõem aumentar a arrecadação cobrando imposto sobre grandes fortunas, como fazem diversos países desenvolvidos do mundo? (…) Essa PEC é um desatino tão grande que não foi usada em lugar nenhum do mundo. Vai nos levar a um país com mais desemprego e mais crise”, afirmou o petista.
Apesar das constantes críticas da oposição e de setores sociais, a base do governo segue afirmando que a medida seria uma estratégica econômica saudável para o país. “Não existe dúvida de que temos que ter um movimento de virada da nossa economia, e ela começa com a PEC 241”, defendeu Thiago Peixoto (PSD-GO).
“A aprovação é importante porque há risco real de insolvência fiscal”, sustentou Marcus Pestana (PSDB-MG).
Votação
As divergências marcaram também a decisão do colegiado sobre o modelo de votação da PEC. O deputado Patrus Ananias (PT-MG) apresentou um requerimento sugerindo votação nominal, que permite a identificação dos votantes, e teve apoio de membros do PT, da Rede, do PCdoB e do PDT. Mas a proposta foi vencida na comissão, com votos contrários de partidos como PMDB, PSDB, DEM, PRB, PTB e Solidariedade.
“Precisamos da mais absoluta urgência nessa aprovação”, justificou o líder do PSD, Rogério Rosso (DF), alegando que o modelo nominal de consulta é mais extenso e protela a sessão.
“Eles não querem votação nominal pra evitar que a sociedade saiba quem é quem aqui. Não podemos esconder isso da população brasileira”, alfinetou Érika Kokay (PT-DF).
Com a rejeição da proposta do PT, a votação ocorreu sem a identificação dos parlamentares.
Controle social
Ao longo do dia, manifestantes de diversos segmentos protestaram contra a PEC 241 no plenário e nos corredores da Câmara. Durante a sessão, o clima foi de tensão entre deputados governistas e militantes, que protagonizaram intensas discussões.
O ápice do conflito se deu quando o deputado Carlos Marum (PMDB-MS) reclamou de um manifestante e pediu que um grupo fosse colocado para fora. “Se a polícia não tirar, eu mesmo vou lá”, disse.
A declaração do peemedebista sacudiu o plenário e provocou diversas reações na sessão. Durante a ação da polícia, o professor Carlos Guimarães, da direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), resistiu à retirada e foi arrastado por agentes da segurança legislativa, tendo desmaiado em seguida. A ocorrência provocou uma manifestação ainda maior nos corredores, com diversos grupos reclamando por não terem acesso ao espaço.
“É um absurdo que as pessoas não tenham acesso à sessão, nem mesmo os integrantes do Conselho Nacional de Saúde [CNS]”, disse Francisco Funcio, consultor de Orçamento do CNS.
Ele ressaltou que a entidade cultiva grande preocupação com a proposta e que não foi ouvida pelos deputados do governo. “Ninguém nos procurou. É um absurdo o Conselho não ser ouvido”, completou.
“Isso aqui é a ditadura voltando ao Brasil”, disse Rosa dos Santos, anistiada política que tentava ter acesso ao plenário para acompanhar os debates.
Membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Conlutas também compareceram à Câmara para demarcar oposição à PEC. “É um ajuste fiscal pra penalizar os trabalhadores e os mais pobres, mais uma vez. Querem de novo colocar a crise nas costas dos trabalhadores. Deveriam fazer isso de outras formas, como taxando os riscos e auditando a dívida pública. Temos hoje dois milhões de desempregados no país, que precisam dos serviços públicos. Eles é que vão sofrer mais com essa medida”, disse Saulo Arcangeli, do Conlutas.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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