As cinquenta famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ocuparam a área da Estação Experimental no município de Itaberá (SP) no dia 05 de setembro de 2016, na busca de retomar o processo de negociação com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente para a criação do assentamento Nova Esperança, foram despejadas pela Polícia Militar (PM) sem ordem judicial na manhã desta terça-feira (13).
A PM alegou o mecanismo de autotutela para despejo da ocupação, uma interpretação do artigo 1.210, parágrafo 1º do Código Civil, que trata do uso de força própria para manutenção ou restituição em casos de interferência de posse.
O Governo do Estado de São Paulo tem utilizado o mecanismo de forma deliberada desde 2015, por recomendação da Procuradoria Geral do Estado (PGE), autorizando a reintegração de posse pela PM sem decisão judicial, principalmente nas ocupações dos secundaristas nas escolas. Na ocasião, várias liminares de reintegração de posse haviam sido negadas e mesmo assim a força policial expulsou os estudantes.
O caso da Ocupação Nova Esperança, entretanto, é a primeira vez em que a tese da autotutela é utilizada para restituição em conflitos fundiários rurais.
Ilegal?
De acordo com lideranças do MST, a interpretação viola os direitos fundamentais de defesa, garantidos a todos os cidadãos e cidadãs no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, uma vez que ela exclui qualquer mediação por parte da Justiça.
Segundo Fernanda Matheus, representante da Direção Estadual do movimento, foram destacadas cerca de 30 viaturas e 100 homens para despejar as famílias nesta manhã, além de caminhões de bombeiro, ambulâncias e o conselho tutelar.
"A polícia esteve aqui ontem [na segunda] pela manhã com a intenção de executar o despejo imediatamente, alegando o mecanismo de autotutela. Nós falamos que não dava porque as crianças estavam na escola e os homens trabalhando. Hoje voltaram com a disposição de executar o despejo a qualquer custo. Se fosse necessário, teriam usado a força, já desceram das viaturas com os fuzis. Foi uma cena de guerra, uma força desproporcional ao número de famílias", afirmou.
No entanto, as lideranças do MST conseguiram agendar uma reunião para a próxima quinta-feira (15), com o objetivo de retomar as negociações com o secretário do meio ambiente, e decidiram deixar a ocupação.
Contexto
O MST iniciou negociações com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente para construção de um projeto piloto de assentamento agroecológico em 2014, com o apoio de uma equipe técnica composta por professores da Universidade de São Paulo USP/ESALQ e Universidade Federal de São Carlos. Porém, com a substituição da então secretária Patrícia Iglecias por Ricardo Sales, o diálogo havia sido interrompido.
"Ao longo de dois anos, a gente tinha conseguido estabelecer uma agenda de trabalho com a Secretaria, mas nos últimos meses tentamos duas vezes marcar uma reunião, que seria intermediada pela Secretaria de Justiça, e a Secretaria de Meio Ambiente não sinalizou nada. Além disso, o secretário atual extinguiu o grupo de negociações. A ocupação da área foi uma tentativa de negociação pensada na Jornada de Lutas do movimento", explicou Fernanda.
A ocupação da área em 2014 já havia sofrido reintegração de posse, e as famílias aguardavam em uma área cedida por um assentamento próximo ao local, para onde voltaram após a reintegração desta terça.
A Secretaria do Meio Ambiente foi contatada pelo Brasil de Fato, mas não emitiu posicionamento até a publicação da matéria.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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