A proposta do ministro interino da saúde, Ricardo Barros, que procura viabilizar a oferta de planos privados de saúde precários para os mais pobres é um descalabro a ser denunciado com veemência a todos os brasileiros e brasileiras. Se o objetivo consiste em economizar no custeio da saúde, diminuindo a busca de serviços no sistema público, é preciso apresentar-lhe os três motivos pelos quais essa medida implicará justamente em uma oneração acentuada e crescente do SUS.
Em primeiro lugar, o argumento do ministro é ruim por que ignora o fato de que o setor privado de planos de saúde no Brasil só sobrevive por que recebe o repasse sistemático de recursos públicos. Neste sentido, ao induzir a expansão desse mercado da saúde, amplia-se também a pressão sobre as contas públicas. No Brasil, a indústria farmacêutica, as clínicas e os hospitais privados, além de empregadores e famílias de rendas média e alta, se beneficiam, por caminhos variados, de recursos que deveriam ir para o SUS.
No caso das empresas, isso ocorre porque a assistência oferecida a seus empregados pode ser considerada despesa operacional, redundando em abatimento do lucro tributável. Já para as famílias, como não existe um teto para a dedução nesse tipo de gastos, estas podem ser restituídas ilimitadamente na declaração do Imposto de Renda (IRPF). Em 2011, a renúncia fiscal em saúde alcançou aproximadamente R$ 16 bilhões, equivalendo a 22,5% do gasto público federal em saúde. Em 2006, essa equivalência alcançou nada menos que 30,5% do orçamento federal para a área. Considerando essa realidade, está claro que ao propor a expansão de planos precários para os mais pobres, esses repasses serão ampliados para as empresas ofertantes e os segmentos da industria que lucra com o comércio desses serviços.
Em segundo lugar, a medida atenta contra o crescente rigor da Agência Nacional de Saúde (ANS) em relação à prestação de serviços precários por parte das operadoras de planos. Como consta no site da Agência, somente em julho desse ano foram suspensas a “comercialização de 35 planos de saúde de 08 operadoras, em função de reclamações relativas à cobertura assistencial, como negativa e demora no atendimento”. Com a oferta de planos mais precários na praça, a iniciativa do ministro interino fragiliza essa normatização perseguida pela ANS, e ao propiciar a insatisfação com a rede privada nada indica que haverá qualquer redução da demanda por serviços no Sistema Público.
Em terceiro lugar, a indução à procura de planos precários revela ainda a orientação hospitalocêntrica que se assenta na cabeça de Ricardo Barros. Se o ministro realmente se preocupasse com recursos públicos, ele deveria aprofundar o modelo preventivista que norteia o SUS. Há algumas décadas já existe o consenso mundial de que a prevenção evita expressivamente a proliferação de doenças graves, contribuindo para conter a elevação dos custos de tratamento complexos nos sistemas.
Ao ignorar o acúmulo de evidencias produzidas na área, o atual ministro se coloca de costas para o bom senso e revela como a industria da saúde coloniza o atual ministério e faz valer seus interesses. Em meio a este confronto, que ameaça uma das maiores conquistas da democracia brasileira, a clareza que temos é que se faz premente a construção renovada de uma ampla coalizão nacional de apoio político ao SUS.
*Ronaldo Teodoro é membro do Centro de Estudos Republicas Brasileiros (CERBRAS).
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