A noite era de festa em Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú. O governador Paulo Camara visitava a cidade e era cortejado por algumas lideranças locais. Mas boa parte da população não estava ali para aplaudir o governador. Elas e eles foram fazer uma denúncia: semanalmente trafegam pelas vias da região do Pajeú 150 caminhões de lenha nativa da caatinga, frutos do desmatamento ilegal, e o Governo de Pernambuco está ciente do fato e nada faz para contê-lo.
A luta dos movimentos populares da região em defesa do bioma da caatinga é de anos. Afonso Cavalcanti, morador de Afogados da Ingazeira e membro do grupo Fé e Política, afirma que há anos o grupo tem mapeado rotas de circulação dos desmatadores na região do Pajeú. Os trabalhadores rurais assentados que integram o Grupo realizaram um levantamento. “Não é científico, mas no nosso levantamento constatamos que semanalmente trafegam 150 caminhões carregados de lenha da caatinga por essas estradas”. De posse da informação o grupo produziu uma carta-denúncia que foi entregue ao governador Paulo Camara em março de 2015. “Na ocasião também alertamos o governador que esse desmatamento ilegal estava alimentando fábricas de celulose e a indústria de cerâmica tanto aqui no território como na Zona da Mata”. Ele conta que o secretário estadual de Meio Ambiente, Sérgio Xavier, também estava presente e ambos se comprometeram publicamente em acabar com o problema.
De acordo com Cavalcanti, após o documento se tornar público o Grupo Fé e Política recebeu denúncias de que pessoas que possuem o Plano de Manejo estariam vendendo ilegalmente o Documento de Origem Florestal (DOF), permitindo o desmatamento por pessoas não-autorizadas. Mas nenhuma medida efetiva foi tomada desde então. “O Governo de Pernambuco realizou apenas algumas operações através do CPRH, barraram alguns caminhões, apreenderam animais silvestres, mas não conseguiram superar a situação. O desmatamento continua”, reclama. Em setembro de 2015 um novo documento foi enviado ao governador, apontando a falta de eficácia e queixando-se do não-cumprimento das ações que foram prometidas para combater o desmatamento. “Até hoje não houve nenhuma ação de combate ao desmatamento por parte do Governo. Nenhuma”, diz Afonso Cavalcanti.
Integrante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Urbano de Afogados da Ingazeira, Dora Santos diz que a população tem denunciado o desmatamento há 3 anos. “Tem município de onde saem mais de 25 caminhões de madeira, como na região de São José, Tuparetama, Ingazeira. Já desmataram tanto que em algumas áreas já não conseguem mais tanta madeira”, alerta. A situação também preocupa o Padre Luizinho, da cidade de Ingazeira. “O fluxo de caminhões tem diminuído porque não tem mais madeira. Aqui onde moro passam todos os dias caminhões de madeira originária da caatinga. Jurema preta, marmeleiro, angico, caatingueira, baraúna. Está ficando raro ver caatinga branca na natureza”, lamenta o padre.
Entre as reclamações dos movimentos populares está a falta de vontade política do Poder Público em coibir o desmatamento ilegal na região. “O pessoal do IBAMA e do CPRH promete, mas não faz nada. Há uma conivência. Uma ausência do Estado. Não existe fiscalização. A lentidão do Estado é tão grande que daqui para quando tomarem uma ação, já acabou foi tudo”, pontua o Padre Luizinho, que tem suas críticas engrossadas por Afonso Cavalcanti. “Só há dois analistas ambientais para cobrir todo o estado de Pernambuco. E eles não têm condições de trabalho: quando eles vêm aqui no Pajeú somos nós quem oferecemos hospedagem”, denuncia Cavalcanti. “Inclusive um dos desmatadores na região de Flores e Carnaíba é um deputado estadual da base do governo”, completa, preferindo omitir o nome do parlamentar para não sofrer retaliações.
O Grupo Fé e Política realizou denúncia no Ministério Público de Pernambuco, que ainda não se pronunciou sobre o caso. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) foi procurado pela reportagem, mas não deu resposta.
A caatinga ocupa 11% do território brasileiro, se estendendo por todos os 9 estados da região Nordeste e alcançando o norte de Minas Gerais. O bioma abriga 178 espécies de mamíferos, 591 espécies de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes e 221 de abelhas mapeados. Vivem na caatinga 27 milhões de pessoas que dependem majoritariamente dos recursos naturais para tirar seu sustento. São essas as principais vítimas da destruição ilegal da caatinga. “Quanto mais desmatamento, mais difícil para chover depois. O estrago é grande. A terra fica fraca e aumenta a dificuldade para o homem e a mulher do campo”, diz Dora Santos.
As queixas são as mesmas do Padre Luizinho. “A madeira é a vestimenta da terra. O solo não se sustenta sem ela. A caatinga guarda as águas, mantem a umidade da terra. Sem a madeira ocorre a desertificação e o assoreamento. Muitas partes do Sertão estão em processo de desertificação em consequência da retirada irresponsável e desordenada da caatinga”, lamenta o padre. “Enquanto os comerciantes de madeira enriquecem, a terra e o povo da região vai empobrecendo, ficando sem água”.
Fotos: Eraldo Peres/Arquivo MMA
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