A cidade de Divinópolis, em Minas Gerais, vive uma situação inusitada. Trata-se do município mineiro em que muitas mulheres na faixa etária de 40 anos passaram a usar fralda geriátrica.
A problemática começou quando parte das mulheres da cidade foram empregadas nas minas com o cargo de motoristas dos caminhões fora de estrada – veículo que pesa cerca de 300 toneladas, incumbido de carregar dejetos e minério.
Com turnos de oito a dez horas, as trabalhadoras não tinham um local apropriado para urinar, resultando em casos de incontinência urinária.
“Se não faço minhas necessidades com certa regularidade, vou ter mais probabilidade de ter infecção urinária, problemas nos rins. Se ficar muito tempo sentada com a bexiga cheia, você vai começar a não conter mais a urina”, diz Marta Freitas, diretora da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, que acompanhou o problema de perto.
Carla* passou pela condição constrangedora. “É difícil falar sobre isso, mas quase sempre, quando terminávamos o turno, tinham mulheres que estavam molhadas e fedidas, ou seja, tinham mijado mesmo na calça enquanto trabalhavam”, relembra.
Condição desigual
Com salários mais baixos que o dos homens, a atuação feminina nas minas cresceu 28% em 2013. Os cargos preenchidos pelas mulheres vão de funções operacionais a ocupações gerenciais.
Uma pesquisa do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) revela que 18% das mulheres que trabalham na mineração não tem remuneração. Conforme o estudo, essas mulheres vão para minas, principalmente de garimpo, para ajudar os maridos.
A esse trabalho, muitas vezes considerado análogo à escravidão, soma-se a presença dos filhos, geralmente crianças, que compõe a ajuda da mão de obra familiar na mineração.
“Muitos desses casos são recorrentes em garimpos de pedra preciosas e pedreiras sem contar com nenhuma fiscalização dos órgãos responsáveis”, observa Lourival Araújo Andrade, do Instituto Brasileiro de Educação, Integração e Desenvolvimento Social (Ibeids).
Mais violência
Se as mulheres assumem o trabalho nas minas em condições mais precarizadas, também são elas que, comumente, sofrem violência dos maridos empregados nas minas.
É o que ocorre em Parauapebas, no sudeste paraense, onde está localizado o maior corpo mineral de ferro do mundo.
Pâmela* viu a morte de perto várias vezes, embora nunca tenha registrado um boletim de ocorrência contra o agressor, funcionário da Vale.
“Era uma violência bruta, coisa de louco mesmo e sem motivo. Você via que era puro estresse de trabalhar na Vale”, desabafa.
Os turnos cansativos, poucas folgas e escasso tempo de lazer levou o ex-marido ao alcoolismo e ao colapso da convivência social. “Nas folgas, ele só bebia e era eu que mais sofria violência dele, de todos os tipos, mas no dia a dia os xingamentos, os tapas eram mais amenos. É complicado porque ele saía de casa às 3h da manhã para pegar turno na mina e voltava às 16h da tarde, com uma raiva do mundo, que não deu mais para ficar junto”, disse.
Embora muitas mulheres não registrem boletim de ocorrência em Parauapebas contra os maridos violentos, a Delegacia de Polícia Civil da cidade estima que 80% dos casos de violência contra a mulher no município envolvem funcionários da Vale.
Segundo o último Mapa da Violência Contra as Mulheres (2012), os sete principais estados mineradores (Pará, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Maranhão, Piauí e São Paulo) correspondem a 31,2% dos casos de violência do país contra as mulheres.
Mercadoria
O fluxo migratório de homens para projetos de mineração em todo Brasil, seja pela extração, seja no processo de escoamento do minério, leva a uma explosão populacional.
Um dos casos mais emblemáticos no Brasil ocorre na cidade maranhense de Bom Jesus das Selvas – uma das mais miseráveis do país, conforme o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que recebeu mais de 3 mil homens para trabalhar na duplicação da Estrada de Ferro de Carajás, pertencente ao complexo minerador do Programa Grande Carajás, de responsabilidade da Vale.
O Conselho Tutelar de Bom Jesus das Selvas constatou um aumento do número de meninas grávidas dos 13 aos 16 anos no município desde o início das obras de duplicação da via férrea no município, em meados de 2011.
Crianças e adolescentes passaram a frequentar pontos de prostituição da cidade. Silvana* era uma dessas meninas. “Eu saia com os funcionários das empresas [construtoras] por dinheiro e, às vezes, por roupa nova, e muitas amigas minhas mais novas transavam em troca de bonecas e sandálias”, conta a adolescente.
Para Nonato Masson, advogado que acompanhou alguns desses casos no interior do Maranhão, é uma situação de extremo abuso da vida das adolescentes diante da pobreza que vivem. “Crianças e adolescentes não se prostituem, pois ainda não tem discernimento para assumir isso como profissão, pois estão em formação psicológica e social. Portanto, o que ocorre é que são exploradas sexualmente, mesmo”, define.
*Nomes fictícios
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