Justiça

“Há indícios de mais uma execução”, diz advogado sobre criança morta pela GCM

Waldik Gabriel Silva Chagas, 11, foi morto por um guarda-civil metropolitano com um tiro na nuca no último sábado (25)

São Paulo (SP) |
Carro onde menino estava no momento do crime
Carro onde menino estava no momento do crime - Ariel de Castro/Arquivo Pessoal

Menos de um mês após a morte de Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, 10, em ação da Polícia Militar (PM), mais um menino é morto em São Paulo (SP), dessa vez vítima da ação da Guarda Civil Metropolitana da cidade.

No último sábado (25), Waldik Gabriel Silva Chagas, de 11 anos, foi assassinado com um tiro na nuca por um guarda civil metropolitano. O menino estava no banco traseiro de um carro na companhia de mais duas pessoas.

Segundo a Guarda Civil, houve perseguição e trocas de tiros depois de um motociclista ter acionado a guarda relatando ter sofrido um assalto por homens em um carro semelhante ao que estava o menino. O caso foi registrado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

Suspeitas

Para o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Diretos da Pessoa Humana (Condepe), a hipótese de homicídio doloso deve ser investigada. “Os indícios são de mais uma situação de execução, uma vez que sequer a suposta vítima [o motocliclista] foi encontrada e não há nenhuma denúncia formal que suporte a versão da guarda”, afirma. 

Além disso, apesar das alegações de trocas de tiros, nenhuma arma foi encontrada. “Os guardas dizem ter disparado quatro vezes, mas nenhuma dessas balas atingiu a lataria ou os pneus. O único tiro evidente foi o dado no vidro na direção da cabeça do menino”, afirma o advogado.

O Condepe segue acompanhando o caso e já pediu providências para a corregedoria da Guarda Civil e para a Secretaria Municipal de Segurança Urbana da prefeitura.

O caso foi registrado no 49º Distrito Policial, no bairro de São Mateus, e o inquérito foi instaurado pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Um guarda civil metropolitano foi preso em flagrante, mas foi liberado após pagamento de fiança.

Em nota, a Prefeitura Municipal de São Paulo informou que a Secretaria de Segurança Urbana "imediatamente ordenou apuração rigorosa do ocorrido e afastamento dos agentes da Guarda Civil Metropolitana envolvidos, até que se esclareçam os fatos". Três guardas foram afastados ao todo, segundo informação da assessoria da secretaria.

O enterro de Waldik está previsto para as 16h desta segunda (27), no Cemitério da Vila Formosa.

A polícia que mais mata

Tânia Pinc, major da reserva da PM do estado de SP, associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisadora do uso da força pela polícia, lamenta que o tema entre na agenda política apenas quando acontecem esses casos trágicos.

“Não existe hoje no município ou no estado de São Paulo uma política que atue para prevenir o uso da força letal de maneira excessiva. Na medida em que as polícias portam arma de fogo, subtende-se que em algum momento se faça uso dela, mas espera-se que isso aconteça apenas em circunstâncias justificadas”, analisa.

De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2009 e 2013, as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas em casos listados como autos de resistência, ou seja, uma média seis mortes por dia.

“A ação letal da polícia de São Paulo está muito acima do esperado. É preciso pensar a situação não apenas pelo viés da punição, mas cobrar políticas específicas que apontem alternativas de controle do que vem acontecendo”, considera a pesquisadora.

Uma a cada quatro pessoas assassinadas na cidade de SP, em 2015, foi vítima da polícia, segundo levantamento deste ano feito via Lei de Acesso à Informação. 

Para Deborah Maria Silva, do movimento Mães de Maio, o caso de Waldik se soma a tantos outros protagonizados pela polícia e com grandes chances de seguir impune. “Há uma cultura de criminalização do pobre e do negro neste país. Se há uma caçada à corrupção na política, é urgente termos uma ‘Lava Jato’ na instituição policial”, afirma a mãe do gari Édson Rogério Silva, que ainda não viu alguém ser responsabilizado pela morte dele, em maio de 2006, em Santos (SP). Ele foi assassinado aos 29 anos, após uma revista policial.

Ato

No dia 30 de junho, às 17h30, a Assembleia Legislativa de São Paulo receberá o ato “Ítalo presente: Contra o genocídio da infância e juventude preta, pobre e periférica”, organizado pelo Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo.

Douglas Belchior, ativista do movimento negro, ressalta o viés racial das mortes protagonizadas por policiais em São Paulo: 61% dessas vítimas são negras. “A prefeitura e governo do estado se assemelham no que diz respeito às suas políticas de segurança pública. Ambas as políticas e polícias são militarizadas e treinadas para a proteção do patrimônio, além de serem racistas e assassinas”, afirma.

Considerada somente a faixa de idade entre 15 e 19 anos, duas a cada três pessoas mortas pela PM são negras, segundo dados de 2014 do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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