Entidades alertam

Lei sancionada por Lula estimula 'desertos verdes' e facilita privatização da água, avaliam críticos

Mudança flexibiliza monocultivo de pinus e eucalipto, enquanto comunidades tradicionais relatam escassez hídrica

Brasil de Fato | Londrina (PR) |
Produção de eucalipto e pinus é chamada de 'deserto verde', pois envolve espécies exóticas ao bioma e com baixa biodiversidade - Vitor Shimomura/Brasil de Fato

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, na última semana, a Lei 14.876, que exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais.

A mudança foi feita na Lei 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, e beneficia as indústrias da construção civil e da celulose, da qual o Brasil é o maior exportador do mundo. 

A consequência é a simplificação do licenciamento para o plantio de florestas para fins comerciais, a chamada silvicultura, que envolve a produção de pinus e eucalipto. O cultivo não necessitará mais do pagamento de uma taxa de fiscalização ambiental, reduzindo custos aos investidores. 

A Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o Instituto Socioambiental (ISA), o Observatório do Clima (OC) e a WWF Brasil publicaram notas técnicas recomendando que o presidente Lula vetasse integralmente a matéria. 

Essas organizações argumentam que a silvicultura, se feita em larga escala, possui um potencial poluidor significativo e pode abrir caminho para a privatização da água. Estudos recentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) chegaram à mesma conclusão. 

Na prática, a escassez hídrica já é uma realidade enfrentada por comunidades tradicionais cercadas pela monocultura do eucalipto e do pinus, conforme revelou o Brasil de Fato em reportagem publicada em 2023. 

“Aqui era um aguão. Secou por causa do desmatamento que a firma fez. Secaram tudo pelo desmatamento, para plantar pinus, esses ‘trens’ deles lá, para ser bom para eles”, disse Eurica Gomes Pestana, do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, em Minas Gerais.

O autor do projeto foi o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), e a matéria tramitou em regime de urgência, ou seja, sem passar pelas comissões temáticas nem ser discutida amplamente no plenário antes da aprovação.

Governo diz que medida promove sustentabilidade

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defendeu a mudança, que, segundo ele, promove o reflorestamento e o desenvolvimento sustentável. 

“Além de reduzir custos operacionais associados às obrigações de conformidade, a exclusão da silvicultura dessa lista simplifica o processo de licenciamento. O objetivo principal é incentivar o reflorestamento, aumentar os investimentos no setor florestal e promover a produção florestal sustentável”, destacou Fávaro.

“O governo, com essa ação, demonstra mais uma vez que está comprometido com o desenvolvimento econômico e social do país, sempre em harmonia com a preservação do meio ambiente”, completou o ministro. 

Privatização da água 

Estudos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Estudos do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) constataram que a expansão da silvicultura está relacionada à falta de água no estado. 

Os pesquisadores indicam que a silvicultura intensiva, aliada à baixa fiscalização, pode levar à diminuição da qualidade da água devido ao uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes, que acabam contaminando os corpos d'água.

Com menos exigências, as empresas têm mais liberdade para explorar recursos hídricos sem a devida fiscalização e controle, o que pode levar à apropriação privada de recursos que são de interesse público e ao aumento dos conflitos pelo uso da água.

Na contramão da ciência, diz Abrampa

Entre os potenciais impactos negativos mencionados por ONGs, ministérios públicos e moradores, estão a fragmentação de habitats, a contaminação de corpos d'água pela utilização intensiva de agrotóxicos e fertilizantes, a redução da biodiversidade e o comprometimento de serviços ecossistêmicos essenciais.

A Abrampa assinala que o PL viola a legislação nacional e internacional a respeito da proteção da biodiversidade.

“Trata-se de rompimento explícito com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente quando toda a comunidade científica isenta e não comprometida com a atividade econômica não foi ouvida e não teve seus estudos respeitados”, diz a nota da organização que representa procuradores e promotores ambientais de todo o Brasil. 

O que dizem os gigantes do setor

A Associação Mineira da Indústria Florestal (Amif), controlada por gigantes do setor, como Veracel e Suzano, ressalta o papel da atividade econômica no reflorestamento. No site oficial, a entidade destacou que a nova lei não exclui a necessidade de licenciamento ambiental, apenas simplifica o processo. 

"O licenciamento permanece como instrumento de controle dos estados para todas as atividades utilizadoras de recursos naturais. A nova Lei permitirá modalidades simplificadas de licenciamento ambiental", afirmou a Amif. 

Edição: Rodrigo Chagas