conflitos no campo

Ruralistas cercam acampamento e ameaçam integrantes do MST no Espírito Santo

Fazendeiros seguiram método do 'Invasão Zero' que já resultou em morte; grupo ruralista da Bahia nega envolvimento

Brasil de Fato | Londrina (PR) |
Integrante do MST (à esq.), policial militar e ruralistas (ao fundo) durante ocupação da Fazenda Coqueirinho (ES) - Divulgação/MST

Ruralistas promoveram nesta quarta-feira (17) um cerco a uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no município de São Mateus (ES). Segundo os sem-terra, a entrada do acampamento foi tomada por 27 carros, tratores agrícolas e drones.

O clima foi descrito como tenso, mas não houve relatos de violência física. Conforme integrantes da ocupação, os ruralistas fazem ameaças aos acampados, que totalizam 200 famílias compostas por adultos, jovens, crianças e idosos.

"Houve uma grande tensão, eles [fazendeiros] tentaram nos coagir de várias formas. Ficaram passando o tempo todo com trator, com picape… A Polícia Militar acompanhou o processo e nada de pior aconteceu", relatou Lia Fernandes, do MST no Espírito Santo.

Em janeiro deste ano, uma situação semelhante, com cerco armado do grupo "Invasão Zero" contra uma ocupação rural, resultou no assassinato da líder indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, na Bahia.

A ocupação alvo da ação de proprietários rurais no Espírito Santo integra a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, que ficou conhecida como Abril Vermelho. Como resposta, o "Invasão Zero" fez o "Abril Amarelo", prometendo desfazer à força as ocupações por meio da mobilização de proprietários rurais.


Mensagem de WhatsApp convoca fazendeiros para atuarem contra acampamento do MST no Espírito Santo / Reprodução

MST aponta participação do "Invasão Zero" e de deputado federal

O MST aponta que houve a participação do "Invasão Zero", um grupo formado por fazendeiros, políticos e empresários que nasceu na Bahia e é investigado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de ser uma milícia rural. As suspeitas são negadas pela coordenação do grupo ruralista.

"Os integrantes [do cerco ao acampamento no Espírito Santo] são proprietários, empresários e apoiadores do ex-presidente Bolsonaro", ressaltou em nota o MST.

Ainda conforme o movimento, o cerco às famílias foi liderado pelo deputado federal Evair de Melo (PP-ES), coordenador da Frente Parlamentar Invasão Zero no estado. A Frente Parlamentar Invasão Zero é fruto de uma articulação entre o grupo baiano de mesmo nome e a bancada ruralista no Congresso.

O "Invasão Zero" informou à reportagem estar ciente da mobilização de fazendeiros contra a ocupação, mas negou ter participado do cerco às famílias.

O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa de Evair de Melo. A reportagem será atualizada caso haja resposta. 

Ocupação poderá sofrer despejo judicial 

O acampamento em Espírito Santo foi organizado pelo MST na madrugada desta quarta-feira (17) e ocorreu na Fazenda Coqueirinho, propriedade de 294 hectares, de acordo com nota divulgada pelo movimento.

Lia Fernandes, do MST do Espírito Santo, disse que uma decisão de reintegração de posse contra o acampamento deve ser emitida pela Justiça nesta quinta-feira (17). "​​Agora a gente vai tentar derrubar essa decisão liminar", contou Fernandes.

MPF vê "organizações paramilitares" no campo

O Ministério Público Federal (MPF) já afirmou ao Brasil de Fato que as ações do "Invasão Zero" e grupos semelhantes podem ser consideradas como crime e são análogas ao funcionamento de milícias rurais, ao contrário da luta coletiva pela terra, que é um direito previsto na Constituição.

"Assiste-se hoje no Brasil a organizações paramilitares que tem contado com parcela do aparato estatal para perseguir movimentos sociais, trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades quilombolas. O caso de Nega Pataxó, assassinada em janeiro na Bahia, é o mais emblemático", afirmou o MPF em um ofício.

Edição: Nicolau Soares