A Venezuela tem um problema crônico de baixo uso de crédito para o consumo interno. O número de compras feitas nessa modalidade é um dos menores na América Latina e o cartão é pouco usado para essa operação financeira.
Mas o governo venezuelano afirma que esse cenário está mudando, após a adoção de uma política mais flexível para tentar segurar a desvalorização do bolívar frente ao dólar. Nos últimos anos, houve uma redução da emissão da moeda local, que incluiu essa queda no uso do crédito, além da redução dos gastos públicos e do financiamento.
O professor de Economia da Universidade Bolivariana da Venezuela Vladimir Adrianza Salas, afirma que a retomada do crédito está relacionada diretamente com a queda na inflação venezuelana.
“Tudo relativo ao consumo pelo crédito se fazia pelos cartões, e também havia outras formas de crédito menores, mas tudo isso ficou congelado por causa das sanções. Nos últimos 3 anos a Venezuela passou por uma queda na inflação e a banca local passou a dar pequenos créditos a empreendedores, em uma experiência que tem sido boa. Para toda sociedade econômica o crédito é um componente muito importante e o que pretende fazer o governo esse ano é impulsionar e estimular as instituições financeiras para que emitam esses créditos”, disse ao Brasil de Fato.
Segundo a Federação Latino-Americana de Bancos (Felaban), em 2024, os países da América Latina usaram, em média, 47,6% do PIB em crédito bancário. Na Venezuela, esse índice estava em 2%.
No entanto, o país fechou o ano em uma crescente nas compras por crédito. De acordo com o presidente Nicolás Maduro, esse tipo de transação cresceu 72% só no último semestre. Para o governo, a “democratização do uso do crédito” é um movimento importante para diferentes setores da economia e para o consumidor.
O crescimento desse tipo de transação foi ainda maior ao se considerar o acumulado do ano. Em 12 meses, os venezuelanos aumentaram o uso do crédito em 139% em moeda local, os bolívares, e 51% em dólares. Ao todo, o consumo no país em crédito terminou 2024 em 2,4 bilhões de dólares.
O crédito, no entanto, chegou a ocupar em 2012 mais de 40% do consumo nacional e enfrentou uma baixa depois da aplicação das sanções dos Estados Unidos contra a economia e o mercado financeiro venezuelano, a partir de 2017.
Em 2019, o governo aumentou para 100% a taxa de reserva legal, que é um montante que os bancos devem manter guardados no Banco Central para garantir a estabilidade do sistema financeiro. A medida levou a uma redução da carteira de crédito em 68% já naquele ano, o que fez cair a circulação do crédito de 684,13 milhões de dólares para 212,57 milhões.
O aumento dos preços desacelerou em 2024, seguindo um ritmo já marcado no final de 2023. O último dado oficial divulgado pelo Banco Central do país foi de outubro. Neste período, o Índice de Preços ao Consumidor foi de 4% ao mês. A inflação acumulada de 2024 terminou o 10º mês do ano em 16,6% enquanto a anualizada - de outubro de 2023 a outubro de 2024 - foi de 23,6%.
Aumento do uso de crédito
A perspectiva do governo é de que o aumento do uso de crédito ajude a aquecer a economia e aumentar a poupança dos venezuelanos, principalmente em bolívar, o que fortaleceria a moeda local.
Alguns economistas questionam que o aumento da emissão de créditos possa ampliar a inflação por um aumento de demanda. Para Vladimir Adrianza, essa correlação não é obrigatória, já que os empreendedores compõem um dos principais setores que se beneficia do crédito e poderão investir em seus negócios.
“Isso vai melhorar de alguma maneira o fluxo de divisas e a possibilidade de ampliar o crédito para que os empreendedores tenham um apoio da banca comercial em relação ao acesso ao microcrédito. Isso justamente fortalece o consumo e o consumo estimula a demanda agregada de bens e serviços dentro do país o que, de alguma maneira deveria repercutir no bem-estar da população, por um lado subindo o consumo, mas por outro, à medida que a economia se reativa, aumenta a propensão à poupança”, afirmou.
Uma das ferramentas fundamentais para isso foi a Lei Antibloqueio, aprovada em outubro de 2020. As normas facilitaram operações, investimentos e transações privadas e públicas. Bancos e instituições financeiras passaram a ser estimulados a desenvolver projetos e alianças com uma maior flexibilidade, podendo, por exemplo, pular etapas burocráticas.
A Venezuela trabalha também com outros países para conseguir deixar de depender dos sistemas financeiros estadunidenses. Para isso, ter acesso a um sistema de crédito alternativo com países parceiros seria uma saída.
Adrianza Salas diz que os Brics são um caminho para isso. Mesmo que a Venezuela não esteja incluída de maneira formal no bloco, países como Rússia e China já são aliados estratégicos que buscam ampliar a sua participação em outras regiões
“A Venezuela vai seguir com a aplicação da lei antibloqueio e essa lei vai levar justamente a ações de negociação de crédito que a banca local poderá implementar, mas também com a banca internacional", disse ao Brasil de Fato.
"Apesar de a Venezuela não ter sido incluída oficialmente no Brics, é óbvio que a economia venezuelana vai nesse sentido e isso é justamente o que já se falou de vários sistemas, como russo e chines, para justamente abrir o marco de cooperação financeira e abrir outros elementos creditícios com economias do Brics."
Edição: Douglas Matos