Tiros, blindados, helicópteros sobrevoando e dando rasantes. Soldados avançam no campo de batalha. Granadas e mais tiros. Pistolas, fuzis, armamentos capazes de derrubar aeronaves. Os blindados percorrem o terreno. O barulho ensurdecedor do conflito no território apavora as pessoas. Mortos, muitos mortos. Esse cenário de guerra, que poderia ser a descrição de guerras que estão em curso pelo mundo, desestabilizando a ordem mundial, é também o cotidiano de muitos moradores de favela da cidade do Rio de Janeiro.
As operações policiais que resultam nesse cenário de guerra não são dadas em qualquer parte da cidade. A lógica do combate por meio desse modelo da guerra, em que são empilhados corpos de traficantes, policiais e de moradores dessas comunidades já foram normalizados para acontecer somente nesses espaços. Vias da cidade são interditadas, colégios ficam sem aulas, postos de saúde sem atendimento.
Historicamente, as favelas são os locais ocupados pelo povo pobre de nosso país. Foram formadas pela necessidade de ex-escravizados que, uma vez libertos, não tinham eira nem beira. A escravidão, uma vez abolida, lançou o povo negro à sua própria sorte. Será esse o motivo da favela ser até hoje tratada assim? Onde estão os inimigos, a violência avança. O pretexto do combate às drogas não deve sustentar o rastro de morte e destruição que são, na verdade, os únicos saldos dessas operações. As pessoas que hoje lá moram relatam abusos constantes, casas invadidas, extorsões, todo tipo de violação contra os direitos humanos. Armas e drogas são apreendidas, mas sabemos que tanto as drogas, quanto as armas, não são produzidas por lá. Entram e saem e só por isso estão lá.
A súmula 727 do Supremo Tribunal Federal (STF) tentou estabelecer, no período da pandemia de covid-19, normas que visavam à redução da letalidade e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. No Rio de Janeiro nunca foi levada a sério. Enquanto as operações seguem em descontrole, veremos imagens como as que vimos na última incursão policial no Complexo do Alemão: moradias perfuradas como peneiras e a população pedindo paz com lençóis brancos estendidos em suas janelas. ‘Ser feliz onde nasci’, como versa o funk, está muito distante de acontecer no Rio de Janeiro.
Edição: Vivian Virissimo