Rio de Janeiro

violência religiosa

Criminosos quebram imagem de Exu e deixam bíblia em invasão a terreiro de umbanda no Rio

Campanha de arrecadação busca recuperar prejuízos materiais: "nada restou", disse mãe de santo

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Rio de Janeiro registrou 499 denúncias de intolerância religiosa no último ano - Reprodução/Redes sociais

Na madrugada da última terça-feira (28), o terreiro de umbanda Casa de Caridade Caboclo Pena Dourada foi alvo de invasão no bairro do Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro. Criminosos roubaram objetos e destruíram imagens sagradas de orixás. No ataque de intolerância religiosa, uma bíblia foi deixada na porta do terreiro.

A dirigente do espaço, mãe de santo Fernanda Franco, foi às redes sociais lamentar o caso de violência. Sem conter a dor, ela disse que um filho de santo que mora próximo ao local viu a casa arrombada e avisou aos demais integrantes.

"Essa noite nós fomos invadidos. Arrombaram os portões, as janelas, levaram ar-condicionado, ventiladores, geladeira, destruíram tudo. Está tudo revirado. Quebraram torneiras, a casa ficou alagada. Nada restou", disse Fernanda.

Intolerância religiosa

O Disque 100 registrou um total de 2.472 denúncias de intolerância religiosa em todo país no último ano. O Rio de Janeiro concentrou 499 casos, atrás apenas de São Paulo, que teve 618. 

"Quebraram a imagem de Exu. Ainda deixaram uma bíblia na porta. Não sei como a gente vai conseguir reconstruir tudo, não tem mais nada", disse a liderança religiosa da casa de umbanda aos prantos. O caso foi registrado na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

Em resposta ao caso, a gerência para Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Prefeitura do Rio anunciou a inclusão do terreiro no Programa Casas Ancestrais. Para o filósofo e sacerdote de umbanda Rodrigo Queiroz, o caso configura um flagrante racismo religioso.

"O que aconteceu não foi um simples ato de vandalismo, foi um ataque direcionado com claro objetivo de apagar a espiritualidade afro-brasileira. O fato de deixarem a bíblia no portão não pode ser ignorado. Isso reforça uma lógica perversa de dominação onde uma fé tenta se impor sobre a outra".

Ao Brasil de Fato, o autor do livro "Entidades da Umbanda" (Citadel Editora), disse que o ataque tem raízes que se conectam com o discurso fundamentalista. O ideal prega eliminar a diversidade religiosa a uma única visão de mundo, disse Pai Rodrigo Queiroz.

"Não podemos tratar como crime comum. Penso que esse ataque faz parte de algo muito maior, um movimento que tenta deslegitimar e perseguir as religiões de matriz africana. O mais grave é que muitas vezes o Estado se omite, não investiga e não protege os terreiros como deveria", conclui.

Campanha de reconstrução 

A comunidade religiosa da Casa de Caridade Caboclo Pena Dourada criou uma campanha de arrecadação online para recuperar os danos materiais. O prejuízo com a destruição do espaço físico e eletrodomésticos ficou avaliado em R$ 20 mil. A casa também realiza trabalhos sociais e distribui cestas básicas.

Os invasores levaram dez ventiladores de parede, dois ventiladores de mesa, um ventilador de torre, quatro ar-condicionados, duas geladeiras, um freezer, o expositor de salgados, um fogão industrial, um micro-ondas, um botijão de gás, a máquina de lavar, um televisor, um computador, dois ventiladores de teto, um filtro de água, diversos disjuntores, tomados e holofotes.

"Este terreiro não é apenas um local de culto; é um refúgio para aqueles que buscam conforto, orientação e conexão com o divino. É um espaço onde celebramos a vida, honramos nossos ancestrais e ajudamos aqueles que precisam de apoio espiritual e emocional. Ver tudo isso destruído é uma dor imensa para toda a nossa comunidade", diz o texto da campanha.

Edição: Vivian Virissimo