Projeto Tools for Humanity já cooptou milhares de pessoas
Por Hara Flaeschen*
As informações genéticas ou biométricas de uma pessoa são dados sensíveis de saúde, conforme normativas do Ministério da Saúde baseadas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Nas últimas semanas, no entanto, o Brasil é palco de comercialização de leitura de íris, com envolvimento direto da Open AI (ChatGPT).
Segundo reportagem do portal Metrópoles, o projeto Tools for Humanity, que além da Open AI é vinculado à empresa World, cadastrou mais de 400 mil pessoas em São Paulo. Os indivíduos trocaram seus dados biométricos por moedas virtuais, equivalentes a R$ 600 reais. Em nota, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) afirma que investiga o caso desde novembro, e que está analisando documentos apresentados.
A situação lembra um passado não muito distante, antes do SUS, em que era possível vender e comprar sangue e hemoderivados no Brasil. É claro que as pessoas que se submetiam a negociar o próprio sangue eram as mais vulnerabilizadas, assim como acontece ainda hoje nos Estados Unidos, por exemplo, onde é comum imigrantes venderem sangue e sêmen, além de participarem como cobaias de experimentos clínicos, em troca de algum dinheiro.
Antes da Hemobrás ter exclusividade sobre o armazenamento e manejo de sangue e derivados - tanto na rede pública quanto na rede privada de saúde -, a falta de controle no processo gerou uma onda de transmissões do vírus HIV através de transfusões. O caso dos irmãos Henfil, que marcaram a campanha "Sangue não é mercadoria" na década de 1980, é um dos exemplos.
Em 2024, o Senado tentou aprovar a "PEC do Plasma", que permitiria a volta da mercantilização de hemoderivados. Também no ano passado, um laboratório privado, que prestava serviço para a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, foi envolvido em uma investigação no contágio de seis pacientes que estavam na fila de transplante do SUS pelo vírus HIV. O episódio demonstrou, mais uma vez, que a privatização de qualquer etapa é perigosa para a saúde da população.
Se, no caso do sangue, as evidências apontam que transformar partes do corpo humano em mercadoria é um risco, no caso das informações biométricas não devemos negligenciar o que ainda não sabemos. O que as gigantes da tecnologia farão com esses dados? Onde estarão armazenados? Como isso pode influenciar a vida dessas pessoas? E qual é a parcela da população que está se submetendo a esse procedimento em troca de meio salário mínimo?
É urgente que as autoridades brasileiras impeçam a continuidade da leitura de íris em massa no país, e, mais que isso, questionem as empresas envolvidas sobre o uso dos dados coletados até agora.
* Hara Flaeschen é integrante da Diracom, jornalista de Saúde Coletiva e mestre em Informação e Comunicação em Saúde pela Fiocruz
Edição: Nicolau Soares