A alta de 7,69% no preço da comida durante 2024 reforçou a importância dos estoques públicos de alimentos. A recuperação dos estoques dos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi prometida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda em 2023. Até hoje, porém, não ocorreu.
O presidente da Conab, Edegar Pretto (PT), reconheceu em entrevista ao Brasil de Fato que a falta de estoques contribuiu com a alta da comida. Segundo ele, "sem dúvida nenhuma", a população brasileira estaria comprando alimentos mais baratos caso a Conab tivesse estoques suficientes para equilibrar o mercado em anos como 2024.
No ano passado, secas em diferentes regiões do país e a alta do dólar pressionaram o preço da comida, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta dos alimentos, por sua vez, pressionou a inflação, que fechou o ano em 4,83% –acima da meta de até 4,5% definida pelo governo federal.
Só o café moído, por exemplo, subiu 39,6%. Teve o quarto maior impacto de um só item no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação.
A Conab, historicamente, armazena café produzido no Brasil para vendê-lo no mercado quando o clima ou a alta das exportações acarretam em alta de preço internamente, justamente como ocorreu em 2024. Desde 2021, no entanto, os estoques do grão estão zerados.
Há oito anos, em 2016, a Conab tinha 92 mil toneladas de café estocadas. Em 2018, esse estoque caiu para 2 toneladas. Chegou a atingir 31 toneladas em 2019 e 2020. Porém, baixou a 1 tonelada em 2021 e a zero em 2023 – já durante o governo Lula.
Outros produtos
A situação dos estoques de café, aliás, não é uma exceção. A Conab manteve zerados seus estoques de arroz de janeiro de 2023 a outubro de 2024. Entre maio e abril de 2024, o Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do Brasil, passou por uma enchente histórica. O governo chegou a cogitar importar arroz temendo a alta do produto, mas a medida foi cancelada.
No caso do arroz, a Conab fechou o ano com um estoque de 416 toneladas. Até 2012, ele mantinha-se acima da marca de 1 milhão de toneladas.
O arroz subiu 8,24% em 2024, segundo o IBGE.
Já o estoque de feijão esteve zerado de setembro de 2016 a dezembro de 2023. Voltou ao zero entre fevereiro a setembro de 2024. Em dezembro, eram 68 toneladas estocadas.
Em 2010, esse mesmo estoque chegou a ter 200 mil toneladas do grão.
Abandono
Pretto disse ao BdF que a queda dos estoques é resultado de anos de políticas públicas equivocadas dos governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Ele disse que a produção de comida no campo perdeu o incentivo e espaço para agricultura voltada à exportação. Faltou comida para ser armazenada.
Pretto disse que essa alta de alimentos inviabilizou os estoques até por conta da lei que rege a ação da Conab. "A gente só pode comprar quando o preço desses produtos está abaixo do preço mínimo, que garante basicamente o custo de produção", explicou ele, adiantando que o governo já estuda mudar essa regra.
Em 2024, por exemplo, o governo já comprou arroz para estoques pagando 20% a mais do que o preço mínimo. A ideia é estender essa margem para outros produtos da dieta nacional, considerando até diferenças regionais.
Ponderações
Pedro Faria, economista e doutor em história pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, reforçou que a recuperação dos estoques é mesmo importante para a redução das oscilações de preços no país. Ele disse que países como Estados Unidos e China mantêm estoques não só de alimentos, mas também de petróleo, para proteger sua economia.
Faria ressaltou que os estoques governamentais pressionam empresários e agricultores a não elevar preços. "O fato de o estoque existir diz aos produtores: 'se você tentar repassar uma alta de custo inteira ao consumidor, você vai perder mercado porque o governo vai liberar o estoque dele'", explicou.
Ele lembrou também que o estoque, numa situação de queda de preços, serve como incentivo à produção. "O governo usa esse momento para fazer seu estoque e garante a demanda do produto num certo preço mínimo."
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, também vê vantagens nos estoques, mas ressalta que a ação do governo para composição deles tem que ser bem coordenada. "Se o governo entra comprando de uma vez, o preço dos alimentos pode subir mais", disse ele. "Demora alguns anos para compor um estoque."
O economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, que foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal entre 2003 e 2005, disse que os estoques têm se mostrado cada vez menos relevantes no controle de preços de alimentos, por conta da conexão do país com o mercado mundial.
"Em uma situação do governo com estoque e preço alto ao consumidor, em princípio, o governo poderia vender para diminuir o preço interno. O problema é que pode haver aumento de exportação e a ação pública ser inócua", disse ele.
Baccarin é favorável a medidas para controle da exportação de comida no país. Isso, no entanto, já foi descartado pelo governo, segundo Pretto.
Edição: Nicolau Soares