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Acervo online reúne notícias sobre racismo religioso e violências contra povos de terreiro

Grupo de pesquisa da UFF traz dados desde 1996 em homenagem ao Dia de Combate à Intolerância Religiosa

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Comemorado em 21 de janeiro, a data remete à mãe Gilda de Ogum, símbolo da luta contra a intolerância
Comemorado em 21 de janeiro, a data remete à mãe Gilda de Ogum, símbolo da luta contra a intolerância - Secom/Governo da Bahia

Em comemoração ao Dia de Combate à Intolerância Religiosa, o grupo de pesquisa GINGA, da Universidade Federal Fluminense (UFF), lançou um banco de dados que reúne notícias de casos de violências dirigidas aos povos de matriz africana. O estudo abrange o período de 1996 a 2023 utilizando mais de 1.200 publicações digitais para mapear casos de intolerância e racismo religioso.

A iniciativa surge como uma resposta à dificuldade de coletar dados sobre conflitos étnico-raciais-religiosos, uma vez que as denúncias institucionais muitas vezes são subnotificadas, ou ainda não são encontradas para consulta pública. 

Ao Brasil de Fato, a coordenadora do GINGA-UFF, Ana Paula Miranda, disse que um dos objetivos do trabalho é ser uma fonte não só para pesquisadores, mas para a população em geral que tem interesse no tema. No site há também materiais educacionais e um espaço dedicado à divulgação da mobilização de povos de terreiro.

Miranda chama atenção para as diferentes formas de violência dirigidas aos povos de matriz africana, que podem ter caráter de dano físico, destruição do patrimônio, mas também as que afetam a dimensão psicológica, moral e social. A plataforma possibilita download de informações filtradas, permitindo que o público possam acessar os dados de forma eficiente. Acesse neste link.

"Quando você tem uma destruição de terreiro, você está destruindo um patrimônio material e imaterial da população brasileira. Então a gente não pode deixar de pensar que essa violência não atinge só os religiosos, ela atinge a toda a população brasileira, considerando que essas tradições são consideradas patrimônio material do Brasil", explica a pesquisadora.

Racismo religioso 

No total das 1.242 publicações reunidas no banco de dados, foram identificados 512 eventos relacionados a conflitos de natureza étnico-racial-religiosa, contra religiosos, terreiros e monumentos ou locais com referência às religiões de matriz africana. O dado também abrange discursos de ódio e ofensas. Invasões e depredações de terreiros representam 25% dos casos mapeados, seguidas por agressões verbais (14,5%) e impedimentos de culto (9%). 

O acervo digital é resultado de uma pesquisa que iniciou em 2021 com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

No ano seguinte, o escopo da pesquisa foi ampliado para abranger todos os estados brasileiros e contribuiu para embasar as discussões na CPI da intolerância religiosa que aconteceram na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). 

Mãe Gilda

O presidente Lula sancionou, em 2007, a lei que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro. A data presta homenagem a ialorixá Gildásia dos Santos, conhecida como mãe Gilda de Ogum, fundadora do Axé Abassá de Ogum, em Itapuã (BA). Em 2000, a religiosa foi atacada dentro do terreiro, e o trauma contribuiu para os problemas cardíacos que a levariam à morte.

"Mãe Gilda morreu por conta de um adoecimento que foi provocado por conta de uma violência praticada por religiosos que agrediram, invadiram sua casa. Nós temos que pensar o quanto o racismo religioso mata de diferentes maneiras os religiosos. É muito importante também pensar, a partir das mobilizações, que os atos públicos e a demanda por conscientização, por campanhas de educação, são uma das ações de intervenção dos religiosos, além das ações institucionais de registro na delegacia e ações judiciais", completa a coordenadora do GINGA-UFF, Ana Paula Miranda.


O busto feito em homenagem à mãe Gilda em 2014, em Itapuã (BA), já passou por vandalismo repetidas vezes / Foto: Mãe Jaciara/ Arquivo Pessoal

Edição: Clívia Mesquita