Ingerência?

Movimentos populares do Panamá anunciam resistência diante das ameaças de Trump em retomar Canal

Novo presidente dos EUA voltou a dizer em seu discurso de posse que vai retomar o Canal do Panamá

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Em seu discurso de posse, disse que o acordo para o controle do canal foi “ruim” para os Estados Unidos - Anna Moneymaker / GETTY IMAGES NORTH AMERICA

Movimentos populares e sindicatos panamenhos publicaram uma carta nesta segunda-feira (20) convocando uma mobilização internacional para enfrentar o que chamaram de “planos de Donald Trump contra o Panamá”. O novo presidente dos Estados Unidos tomou posse para o segundo mandato e, em seu discurso, voltou a falar sobre o Canal do Panamá e prometeu “recuperá-lo” ao governo estadunidense. 

A carta assinada pela Frente Nacional pela Defesa dos Direitos Econômicos e Sociais (Frenadeso) e pelo Sindicato Único Nacional dos Trabalhadores da Construção e Indústrias Similares (Suntracs) pede que as organizações se unam para derrotar projetos impulsionados pela Casa Branca contra o Panamá.

“Chamamos a unidade das forças patrióticas, progressistas, democráticas, populares e revolucionárias, a solidariedade dos povos e organizações irmãs do Sul Global, neste momento crucial da nossa história, para enfrentar os planos de Donald Trump contra o Panamá e deter a voracidade desenfreada da oligarquia com o roubo dos fundos da CSS, a reativação da mina, de outros projetos depredadores e de outras medidas que buscam triturar as esperanças de um povo e afogar seus nobres sentimentos patrióticos”, diz o texto. 

O trecho faz menção à reativação do projeto minero Donoso, que foi vetado pela Corte Suprema de Justiça (CSJ) em 2023 depois de uma série de protestos no país denunciando os impactos ambientais que essa exploração causaria. O governo do presidente José Raul Mulino, eleito em 2024, pretende reativar o projeto e fez uma inspeção técnica para descartar “qualquer ameaça ambiental”. O objetivo é retomar as discussões em fevereiro. 

Já a CSS é a Caixa de Seguro Social, um fundo de segurança social para os trabalhadores. Os movimentos denunciam a reforma proposta pelo governo no fundo que tiraria grande parte dos direitos dos trabalhadores. Segundo o movimento, o objetivo da reforma é continuar buscando empréstimos de instituições financeiras internacionais depois da crise que o país entrou, que impossibilitou esses novos pagamentos. 

Em seu discurso de posse, Trump voltou a ameaçar o canal do Panamá. Depois da eleição, ele disse que retomaria o controle do canal caso o preço dos pedágios para os navios dos EUA não fosse reduzido, apesar de a tarifa paga pelos navios ser determinada pela sua capacidade e carga transportada, e não pelo país de origem. Agora, ele disse que o acordo para o controle do canal foi “ruim” para os Estados Unidos e reforçou, sem provas, que a China está controlando as passagens no canal.

“Os Estados Unidos gastaram mais dinheiro do que nunca num projeto e perderam 38 mil vidas na construção do canal. Fomos muito maltratados com este presente tolo que nunca deveria ter sido dado, e a promessa que o Panamá nos fez foi quebrada. O propósito do nosso acordo foi violado. Os navios americanos estão sendo sobretaxados e não tratados de forma justa. E acima de tudo, a China opera o Canal do Panamá. E não demos para a China. Demos ao Panamá e vamos recuperá-lo”, disse Trump.

O texto dos movimentos populares afirma que o governo panamenho tem uma postura “incapaz, arrogante e lesa pátria” e denuncia também a “falta de respostas do governo aos problemas do povo”. O texto termina chamando a gestão de mulino “totalmente submissa aos gringos”. 

Os movimentos questionam também a postura de Mulino de dizer que a floresta de Darién é a “outra fronteira dos Estados Unidos”. Em novembro, o presidente panamenho afirmou que era preciso “resolver isso bilateralmente ou em conjunto com um grupo de países”. A selva fica na fronteira entre o Panamá e a Colômbia e é conhecida passagem de migrantes que deixam a América do Sul para irem aos EUA.  

O dirigente da Frenadeso, Ronald Fulo, disse que a disputa em torno do canal coloco o próprio governo panamenho em contradição já que, de um lado tem de defender os interesses do povo do Panamá, mas de outro, trabalha em conjunto com a Casa Branca para entregar território e riquezas aos estadunidenses.

“O Canal coloca o governo panamenho em uma contradição, já que tem essa atitude entreguista. Mas vai devolvê-lo? Há um choque de sentimentos por parte do governo, que não se pronunciou de maneira contundente. Se limita a notas pedindo respeito ao direito internacional. Por isso o governo deverá ser tranquilo com as ameaças do governo Trump. Mulino além de ameaçado, faz esforço para ficar bem com Trump”, disse ao Brasil de Fato

Manifestação na capital

Panamenhos se reuniram em frente à casa do embaixador estadunidense no Panamá, Kevin Marino Cabrera, nesta segunda-feira (20) para protestar contra as declarações de Trump. Os manifestantes queimaram bandeiras dos EUA e gritaram palavras de ordem para que Washington abandone a tentativa de retomar o canal. 

Com o lema "O Canal do Panamá não está à venda", os manifestantes usaram fotos de Trump com uma suástica para denunciar as “ingerências” do presidente republicano. 

Fulo afirma que o destino do canal não será tomado pela Casa Branca e que, caso a intenção de Washington seja mesmo retomar o controle da instalação, enfrentará resistência dos movimentos populares panamenhos.

“Ele não vai decidir o que acontece com o Canal do Panamá, quem vai decidir são os panamenhos. [O Panamá] Está com um governo entreguista, mas os movimentos populares estão aqui para isso, para enfrentar. Ele fala da China, mas podemos dizer que esse canal é do Panamá e vai seguir sendo do Panamá. Se Trump seguir ameaçando, vai ter de enfrentar um povo que vai demonstrar que não tem medo dele”, afirmou ao Brasil de Fato

Edição: Leandro Melito