O cerne da doutrina que eu sigo é a irmandade, o coletivo, a união
Depois de anos cobrindo a luta indígena por território, chegou o momento do Brasil de Fato expandir sua cobertura e trazer para os leitores a cultura como ferramenta de luta, reconhecimento e valorização das identidades indígenas. No próximo dia 22 de janeiro, embarco para a V Conferência Indígena da Ayahuasca, que acontecerá na Aldeia Sagrada, do povo Yawanawá, às margens do Rio Gregório, no Acre. Um momento único que reúne sábios e sábias dessa medicina ancestral que compõem o tronco ayahuasqueiro da Pan-Amazônia e indígenas de outros continentes. Serão mais de 30 povos, juntos, discutindo sobre o tema. Fico muito feliz que este movimento neste jornal tenha começado a partir desta coluna.
Ir à Conferência sempre foi um sonho. Mas não só por ser daimista e ayahuasqueira, mas por ser uma jornalista e uma aspirante à antropóloga que tem como centro de estudo a doutrina do Santo Daime e o uso do chá em contexto urbano. Eu sabia que ali eu estaria ao lado dos maiores e melhores professores e professoras que eu poderia ter sobre este tema que me é muito caro.
Como filha da expansão da medicina e das religiões ayahuasqueiras nos centros urbanos, meu maior desafio sempre foi me ver como parte do problema e da solução quando o tema é apagamento das culturas indígenas, apropriação cultural, invenção de moda diante do uso nativo e tradicional e tantas outras questões que, quem não se preocupa, ouso dizer que está tomando ayahuasca errado. Quem está ligado na problemática social que envolve o uso da ayahuasca atualmente é convidado periodicamente a rever conceitos e caminhos. Não é fácil. Se importar dá trabalho.
E porque me importo? Porque eu não sei estar nessa vida sem me importar com as pessoas. E não é porque sou legal, mas sim por um puro egoísmo altruísta que vem da consciência que eu tenho de que sozinha não vou chegar a lugar nenhum. O cerne da doutrina que eu sigo é a irmandade, o coletivo, a união. E é tão desafiador. E acredito que a cosmovisão indígena tem muito a nos ensinar sobre isso. Eu só quero aprender e colocar meu dom da comunicação a favor do vento para levar para o maior número de pessoas muito mais do que meus conhecimentos, mas também a sabedoria que adquiro nas minhas peregrinações pela floresta e seus mistérios, encantamentos, contradições e incoerências.
Receber o convite para participar e trabalhar na relatoria deste evento (palavra fraca para descrever esse acontecimento) é de extrema importância para mim em todos os segmentos da minha vida. E para o Brasil de Fato é a oportunidade de olhar e relatar outras frentes de luta dos povos indígenas, que, nesta edição, será traduzida especialmente através de discussões sobre o uso, o transporte, a difusão e a proteção dos conhecimentos, dos saberes tradicionais e dos recursos genéticos relacionados à ayahuasca, principalmente quando se trata das garras do imperialismo e do capitalismo sobre esses saberes.
Não se trata de aliviar a culpa burguesa através do pensamento colonial de que os povos indígenas precisam de nós, não-indígenas, para ter voz. Eles têm voz. Sempre tiveram. A pergunta é se estamos escutando. E é isso que vou fazer na Conferência: ouvir.
Confira em breve o especial completo no Brasil de Fato.
Edição: Nathallia Fonseca